Documento do governo altera regra para
demarcar terra indígena
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RUBENS VALENTE
O Ministério da Justiça tem pronto um decreto que,
se colocado em prática, representará a mais completa mudança no sistema de
demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de
1988.
O texto coloca em xeque terras já demarcadas e
reconhecidas por governos anteriores, ao permitir que sejam contestadas por
"interessados".
Uma exposição de motivos e uma minuta de decreto,
aos quais a Folha teve acesso, incorporam teses de interesse
de fazendeiros e exigências contidas na PEC 215, apoiada pela bancada ruralista
e combatida por índios.
Tornam ainda regra do Executivo entendimentos
jurídicos de ministros do Supremo Tribunal Federal e contestados pela Funai
(Fundação Nacional do Índio).
Indígenas e indigenistas, informados pela
reportagem sobre a proposta, afirmaram que ela representa na prática a
revogação do decreto 1.775, do governo Fernando Henrique Cardoso, que há 20
anos regula o tema.
"O objetivo está claro, esse decreto iria
inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios
em processo de demarcação ou reivindicados pelos índios", disse Cleber
Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário.
A minuta do decreto adota a tese do "marco
temporal", segundo a qual apenas indígenas que estavam na terra ou a
disputavam judicialmente em outubro de 1988, quando da promulgação da
Constituição, poderiam ter direito a ela.
Segundo essa tese, os índios que deixaram ou foram
expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios
violentos, perdem o direito de reivindicá-la.
Outra novidade é a criação de uma indenização para
indígenas que tenham "perdido a terra". Na legislação do tema não há
previsão de pagamento a indígenas para que deixem de reivindicar terras –o que
o governo faz, como previsto na Constituição, é indenizar os fazendeiros e
retirá-los de terras indígenas.
Uma terceira inovação é a necessidade de que
processos de demarcação que estão em andamento tenham que incorporar "as
diretrizes" do documento.
É prevista abertura de prazo de 90 dias para que
"interessados" se manifestem sobre processos que já estejam
homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do
processo de demarcação.
"É de uma gravidade que é alarmante a
informação de que pode estar ocorrendo uma discussão dentro do governo sem
transparência e sem clareza na motivação", disse à Folha o subprocurador
geral da República, Luciano Maia.
Procurado desde a quinta (8), o Ministério da
Justiça informou, por meio da assessoria, que não havia uma resposta em tempo
hábil, do setor competente sobre o assunto. Em novembro, em nota enviada à
Folha, a Casa Civil da Presidência afirmou que "não haverá alteração do
sistema de demarcação de terras indígenas".
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