Já está comprometido o nosso futuro
Péricles Capanema
O Direito Penal considera culposa
conduta em que seja evidenciada negligência, imperícia ou imprudência. E dolosa
a conduta em que esteja presente a má intenção. O leitor, no fim do artigo,
julgue como classificaria posições abaixo caracterizadas.
Recebi de médico amigo texto
elucidativo de José Batista Pinheiro, coronel da reserva (não o conheço). A
matéria me prendeu a atenção bem mais que final de Copa do Mundo, o Brasil
jogando. Não sou especialista no tema ventilado – a gigantesca expansão do
agronegócio no Brasil – nem conheço bem os acontecimentos narrados.
Só sei que houve o barateamento dos
alimentos e o setor tem sido a salvação da economia do Brasil – anos a fio.
Apenas digo, os fatos constantes no mencionado escrito, relatados com minúcias,
são verossímeis. Têm efeito pedagógico.
O alto oficial conta que –
provavelmente por ter ouvido boas referências – o presidente Ernesto Geisel
quis conversar com Alysson Paulinelli, jovem secretário da Agricultura de Minas
Gerais. Professor em Lavras, o engenheiro agrônomo Paulinelli ali teve
brilhante carreira universitária. Geisel se impressionou com as concepções
expressas no encontro e fez dele seu ministro da Agricultura (1974-1979).
Agora é o coronel que escreve:
“[Paulinelli] chamou o presidente da adormecida Embrapa, Irineu Cabral, e o
diretor de Recursos Humanos Eliseu Alves e estabeleceram o rumo das ações. Não
queremos cientistas para resolver problemas da ciência, mas para resolver os problemas
da produção da nossa agricultura.
“Pegaram uma verba de US$200 milhões e
escolheram nas melhores universidades brasileiras 1.600 recém-formados e os
mandaram fazer mestrado ou doutorado nas melhores universidades do mundo:
Califórnia nos Estados Unidos, França, Espanha, Índia, Japão e outras.
“Plantaram a semente da maior ‘revolução’
na agricultura já realizada na América Latina. Eliseu Alves que havia chegado
dos Estados Unidos com bagagem mundial como cientista e como gestor de ciência
e tecnologia assumiu a presidência da Embrapa e implantou as linhas de
trabalho:
“1) criou 14 centros de pesquisa em 14
regiões do País para pesquisar 14 produtos [...] soja em Londrina e em todo o
Paraná, mandioca e fruticultura em Cruz das Almas na Bahia [...] gado de corte
em Campo Grande e seringueira em Manaus. 2) Criou 4 centros de pesquisas de
recursos genéticos para o cerrado, em Brasília. [...] Trinta anos depois,
explodiu a agricultura brasileira.”
Em apenas um campo, a agropecuária, o
ensino e a pesquisa executados de forma sistemática, séria e inteligente,
geraram esse efeito espetacular.
Fui então procurar o que comentava a
respeito o próprio Alysson Paulinelli. Em janeiro de 2011, notava ele: “Não
somente o governo federal criou a Embrapa, mas também 17 Estados ou criaram ou
fizeram evoluir as suas já tradicionais instituições de pesquisas, num esforço
sem precedente, cujos resultados não demoraram a aparecer.
“Pode-se dizer que, em menos de 30 anos
aqui, se desenvolveu a primeira e mais competitiva agricultura tropical do globo. O País, mesmo com as dificuldades
financeiras pelo acúmulo das três crises, teve a lucidez de acreditar que os
investimentos em ciência e tecnologia valeriam a pena.
“Antes de desperdício poderia ser essa
a solução de tantos e infindáveis problemas de um Brasil que necessitava se
afirmar, e não se curvar diante das ameaças. De País consumidor de alimentos
mais caros do mundo, na década 70, que chegava a consumir quase a metade da
renda média familiar só em alimentação, chegamos aos anos 2 mil com um dos mais
baratos alimentos do mundo, conforme prova o Ipea em sua última pesquisa sobre
custos com alimentação, onde esse gasto não passa de 13,6% da renda familiar.
“De país receptor ou importador de
alimentos à custa da conta café, produto tropical que dominávamos, passamos a
ser exportador de comida, fibras, outras matérias-primas agrícolas, óleos e até
da energia renovável que o mundo tanto necessita.
“Criamos em 30 anos uma nova e
competitiva agricultura tropical.
[...] O agricultor, aqui, para o nosso cidadão urbano desinformado (ou,
intencionalmente, mal informado), continua como o vilão de toda a história,
como um eterno latifundiário, explorador de mão-de-obra, caloteiro e
aproveitador ou destruidor dos nossos recursos naturais.
“Numa verdadeira fúria legiferante,
procura imputar ao produtor nacional todas as culpas, crimes e
responsabilidades por todos os males e tormentas climáticas que nos assolam.
“Arbitram-lhes multas impagáveis ou
penas insuportáveis, numa ansiedade de justificar sua insanidade estranhamente
criada pelos benefícios que receberam em redução de preços de seus alimentos,
pela qualidade melhor dos produtos.
“[...] Esse tem sido o preço que o
produtor rural brasileiro está pagando por gerar quase US$ 60 bilhões anuais
líquidos para nossa balança comercial. [...] Os 24 anos de apagão que viveu a
Embrapa são injustificáveis, pois ela só não sucumbiu nesse período de martírio
porque tinha e tem uma sinergia própria, convincente, o que não ocorreu com as
17 instituições estaduais de pesquisas que hoje estão em verdadeira penúria”.
O que tivemos foi um bem-sucedido
esforço de enorme aperfeiçoamento de capital humano. O resto veio como
consequência. Por que tal fórmula não foi estendida a outros setores da
sociedade? Por que foi deixada de lado? Culpa? Dolo?
Saiu há pouco a lista do IMD (International
Institute for Management Development) sobre os países mais competitivos do
mundo. É índice respeitado, avalia a facilidade para empreender, o estímulo
para trabalhar, a liberdade e decência no mundo da produção. O país mais
competitivo do mundo são os Estados Unidos (por alguma razão é a primeira
potência mundial há décadas, quiçá mais de um século).
No segundo lugar está Hong Kong. O
terceiro, Cingapura. Quarto, Holanda. Quinto, Suíça. Décimo-terceiro, pasmem,
China comunista. O primeiro país latino-americano que aparece na lista é o
Chile (35º). Depois México (51º), Peru (54º). O Brasil aparece na 60º posição. No ano passado estava na 61ª,
subiu uma casa. Melancólico.
O fato apresenta relação próxima com
dados há pouco publicados pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio) do IBGE. Indicam que falta de alto a baixo o que se viu intensamente
nos homens e mulheres que elevaram o agronegócio brasileiro ao patamar em que
hoje plaina. Respigo alguns.
Dos 48,5 milhões de pessoas que tinham
entre 15 e 29 anos em 2017, 11,2 milhões, 23% do total, não trabalham, não
estudam e não se qualificam. No ensino médio, apenas 68% dos estudantes estavam
na etapa necessária e na idade esperada, apesar das facilidades de aprovação.
Em 2017, 7,2% da população com mais de
25 anos não tinha instrução; 33,8% não tinham o fundamental completo. Em
resumo, 41% da população adulta é analfabeta funcional. Sabem escrever o nome,
mas não conseguem ler e compreender manuais de instrução. É mão de obra não
apenas com baixa qualificação, tornou-se em grande parte inqualificável.
Dados semelhantes podem ser despejados
sem fim, mas vou parar por aqui. Tal desastre que compromete o futuro nacional,
ocorreu por negligência? Imperícia? Imprudência? Ou houve dolo? Havia ciência
de que a tragédia poderia vir e nada ou quase nada foi feito para evitá-la? O
leitor julgue agora com seus botões. Um dia o tribunal da História pronunciará
seu veredito. Deus, sobretudo.
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