Vaquinhas sem leite
Péricles Capanema
Estão proibidas as doações de empresas (pessoas
jurídicas) para a campanha eleitoral. Foi medida amplamente trombeteada como
moralizadora. A partir de 15 de maio, o eleitor (pessoa física) pode aquinhoar legalmente
seu candidato. Existem limitações e entre elas o doador só pode contribuir com até
10% do rendimento bruto declarado no IR, CPF obrigatório, ajuda acima de
R$1.064,10 apenas por TED.
Em inglês, este sistema é chamado de crowdfunding (financiamento na multidão,
em tradução livre). Em português é a conhecida vaquinha. A respeito, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), ministro Luiz Fux, declarou: “A possibilidade de impulsionar o seu
candidato, através do voto e do financiamento, gera no eleitor a sensação de disputa
e de que está integrado ativamente no processo eleitoral”. Na mesma direção opinou
a jornalista Eliane Catanhêde: “A ‘vaquinha virtual’ é uma forma de mobilizar a
sociedade e de engajar o eleitor no projeto de seu candidato”. Vai mobilizar a
sociedade! Vai promover integração ativa dos cidadãos no processo eleitoral! Santo
Deus! Que medida! Um colosso! Vamos baixar a bola e espreitar ao nosso redor.
Luiz Fux é de momento a mais alta autoridade eleitoral
do Brasil, jurista respeitado. Aqui vai apenas como exemplo de fenômeno
generalizado no mundo oficial brasileiro – a realidade óbvia debaixo dos olhos,
fácil de observar, não impressiona. Sua animada declaração padece do que é generalizado
entre políticos e até na alta magistratura: na melhor das hipóteses, a preguiça
de observar a realidade. Em alguns a cautela em disfarçá-la. Não à toa
Talleyrand, político consumado, escreveu certa vez, a palavra nos foi dada para
disfarçar a realidade.
Vamos à análise – em inglês é corrente a expressão ser
agredido pela realidade; sejamos então agredidos por ela. Leitor, você sabe de algum
pobre coitado ou ouviu falar de alguém que está com sensação de disputa ou de
integração ativa no processo eleitoral por ter pensado transferir uns
caraminguás a determinado candidato? Uma mãe Dinah lhe sussurrou que a faculdade de pingar moedas nos pires dos
candidatos mobilizará a sociedade? E ainda desencadeará engajamentos? Paro por
aqui, nada disso vai acontecer; e qualquer zé-mané da rua capta isso sem muito
esforço. Até me veio ao espírito o trecho do Evangelho: “Graças te dou, ó Pai,
Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e
as revelaste aos pequeninos”.
Contudo, para desgraça do Brasil, opiniões assim de
meios formadores de opinião, bobagens (perdoem-me), altissonâncias vazias, verdadeiras
cavalgadas no vácuo, são generalizadas. Em todos os âmbitos. No caso tal blábláblá
justifica o que se poderia chamar de mitologia democrática (ou as pajelanças da
participação popular). Descoladas da realidade, turvam a percepção do que
realmente acontece em torno de nós. E de momento temos no entorno, vago desejo
do novo imerso no torpor e desesperança.
Nada mais desejável e necessário que a autêntica
participação popular, intensa e proporcionada. Para tal, o passo inicial é ver a
situação com objetividade e exprimi-la corretamente. Sem ele, impossíveis os
outros no rumo certo. A visão do real falseada no nascedouro por preguiças, clichês
e ideologias politicamente corretas necessariamente acarretará análises truncadas.
Na prática, repito, e não estou descobrindo a América,
será fiasco retumbante a doação das pessoas físicas para a campanha de 2018, mixarias
as moedas atiradas nas burras dos candidatos em comparação com o custo real das
campanhas. O financiamento sério será buscado alhures. E a vaquinha ainda vai
dar lugar a ilegalidades.
A proibição da doação empresarial ensejou formas de burlar
a lei, ocorridas nas eleições de 2016, aliás destacadas há pouco pelo ministro
Gilmar Mendes, o anterior presidente do TSE, de momento figura controvertida,
mas no caso com observações oportunas: “Estamos
na pré-campanha, quem está financiando essa gente? [...] Quem está financiando?
[...] Vou dar os números: 730 mil doadores [...] na doação para eleições de
2016, eleição municipal, modesta. 350 mil sem capacidade financeira, ou seja, o
maior laranjal do mundo. Produzimos isso e assumamos a nossa responsabilidade.
E esperem as eleições de 2018”.
Assumamos as nossas responsabilidades, reclama ele dos
colegas. O utopismo do STF produziu uma legislação descolada da realidade, de
fato demolidora, afirma o ministro. É mais uma manifestação de desprezo à
realidade.
E logo pergunta: quem está financiando agora as
eleições? “Off the record”, dizem os operadores das pré-campanhas, os políticos
de todos os partidos já estão recheando o caixa 2, na perspectiva dos gastos
que virão. Sem essa grana, confessam, não dá para fazer campanha. É muito mais dinheiro
que os números esquálidos que vão aparecer de doações de pessoas físicas. Parte
das quais será usada por outros que não querem aparecer.
O grande temor do pessoal que presta é dinheiro de
fontes criminosas financiando candidatos nas eleições daqui a pouco (se já não
está vindo). O mesmo Gilmar Mendes, quando presidente do TSE, advertiu: “Nós acabamos com o sistema de financiamento (empresarial) descolado do
sistema eleitoral. [...] Certamente, teremos um número elevado de candidatos,
porque as coligações estão mantidas, e aí entra a questão do financiamento. Eu
temo muito pelo financiamento das eleições por organizações as mais diversas,
inclusive as criminosas. [...] A liberdade do voto está fortemente ameaçada.
[...] Esse fundo é insuficiente para financiar as eleições, e continuamos
dependendo das doações privadas. [...] É o que eu chamo de caça ao CPF, e isso
pode alimentar o laranjal. É aí que entra o crime organizado. Não podemos ser
ingênuos. A situação praticamente de domínio de certos territórios, como ocorre
no Rio de Janeiro, não permite um voto livre. [...] Temos que monitorar esse
quadro, porque esse é o pior dos mundos. [...] É óbvio que a liberdade do
eleitor está comprometida”.
Há saída? No longo prazo, com eleitorado mais
informado e reflexivo. No curto, só enorme sobressalto na opinião pública
poderia garantir contra desastres nas urnas, já agora próximos; grosso modo estamos a quatro meses das
eleições, 7 de outubro.
Não haverá sobressalto, tudo o indica, e permanecerá a
desorientação generalizada. Alguns dados. A última pesquisa CNT/MDA indica no
voto espontâneo (sem apresentar candidato) para presidente, 60% cravou branco/nulo,
indeciso. Com candidato, voto estimulado, 45,7% na mesma faixa. Imaginem hoje o
número de brancos, nulos e indecisos para as eleições de governadores,
senadores, deputados federais e estaduais, senadores, das quais pouco se fala.
Sei bem, à medida que se aproximar 7 de outubro, tais porcentagens cairão.
A indefinição do quadro contém outro componente, as altas
rejeições: Ciro Gomes (46,4%), Fernando Haddad (46,1%), Alckmin (55,9%), Meirelles
(48,8%), Bolsonaro (52,8%), Lula (46,8%), Marina (56,5%), Temer (87,8%),
Rodrigo (55,6%). Em resumo, de um lado, desorientação, torpor e desinteresse do
eleitorado; de outro, rejeição da política, irritação generalizada com
políticos. As portas estão abertas para a demagogia.
Por que destaco o fato? Para evitar as más surpresas. Ainda
há tempo para medidas de contenção, cada um no seu âmbito. Por exemplo, conversar
com amigos e escolher candidatos com histórico de honestidade, mas que também tenham
posições favoráveis aos bons costumes, queiram segurança para o cidadão, punição
para o crime e a subversão, favoreçam leis que estimulem o aumento da
produtividade. Sem isso, vamos ter daqui a quatro meses, ministrado pelo
eleitor desorientado, mais (doses) do mesmo e antigo remédio (já tóxico).
Que Deus nos ajude!
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