Questão indígena: conflitos em 285 municípios
No Brasil, as disputas por territórios entre produtores rurais e
indígenas crescem juntamente com a ampliação de áreas e aumento do número de
reservas étnicas.
De 1988 até hoje, as terras indígenas passaram de 16 milhões de hectares
para 111 milhões de hectares, o que representa 13% do território nacional e um
crescimento de 593%.
Já os conflitos em propriedades invadidas chegam a 285 municípios em
todo o país, segundo estima a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Os problemas se concentram no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e
na Bahia, e estão presentes em pelo menos 13 estados.
A polêmica, contudo, gira em torno do processo de demarcação, hoje a
cargo exclusivo da Funai. O modelo atual gera suspeitas por parte
do setor produtivo, inclusive de atuação política e ideológica a favor dos
indígenas.
Para o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e membro do Grupo de
Trabalho Indígena do mesmo estado, Rodinei Candeia, os processos
obscuros das demarcações em áreas com fazendas são parte de uma estratégia
política para ampliar as reservas a qualquer custo.
“A Funai, o MPF e as ONGs
envolvidas têm um perfil ideológico definido e querem impor suas concepções ao
país”, indica o procurador. Deste modo, acrescenta Candeia, “fica claro o desvio de finalidade e a
manipulação grosseira dos laudos para caracterizar as áreas como indígenas”.
Veja no mapa abaixo a concentração de conflitos fundiários advindos
das demarcações de terras indígenas:
As atuações mais recentes do procurador gaúcho foram nas demarcações das
áreas indígenas Sananduva e Mato Preto. Nesta última, a atuação da
antropóloga responsável chamou a atenção pelos acontecimentos que antecederam a
ocupação da aldeia.
“A narrativa de que a antropóloga participou de sessões com uso do chá
do Santo Daime, tão surpreendente quanto absurda, foi feita por ela mesma
em sua tese de doutorado, disponível no site da Universidade Federal de Santa
Catarina. O importante é que a tese descreve de fato como foi decidida a
invasão de uma área em Mato Preto para reivindicação como indígena,
diferentemente do que consta no laudo realizado pela mesma antropóloga, que
fora nomeada como chefe do Grupo de Trabalho da Funai”, detalha Rodinei
Candeia.
Candeia faz parte da grade de palestrantes do CONFINAR 2014,
simpósio que trata da intensificação das atividades agropecuárias e que é
realizado anualmente em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, estado que
contabiliza atualmente 80 fazendas invadidas por indígenas. No evento, o
procurador apresentará o tema “Aspectos políticos e jurídicos das
demarcações de terras”, que encerrará a programação do evento.
Na palestra, Candeia adianta que irá mostrar de onde vem a orientação
política para as ações envolvendo indígenas e quilombolas, além dos aspectos
técnico-jurídicos que incidem sobre a matéria e as soluções possíveis para o
problema.
“A principal mensagem será de que ele (o produtor rural) deve ter compreensão ampla do problema e
se qualificar para o enfrentamento, considerando que o Estado de
Direito deve lhe proteger”, revela o procurador.
Fica claro o desvio de finalidade e a manipulação grosseira dos laudos
para caracterizar as áreas como indígenas”, aponta procurador do RS, Rodinei
Candeia, que será palestrante do CONFINAR 2014. Foto: reprodução / URI.
Demarcação da reserva indígena em Mato Preto
A tese de doutorado à qual se referiu o procurador do RS é da
antropóloga Flávia Cristina de Mello, intitulada “Aetchá Nhanderukuery Karai
Retarã: Entre deuses e animais: Xamanismo, Parentesco e Transformação entre os
Chiripá e Mbyá Guarani”. O relato foi publicado em junho de 2006 e está
disponível pelo linkhttps://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/88608/235594.pdf,
no site da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A antropóloga relata na tese que, durante sua passagem pela aldeia
Cacique Doble, no Rio Grande do Sul, presenciou um ritual tradicional
denominado opyredjaikeawã e que, daquela vez, o responsável por
conduzir o ritual havia ministrado uma medicina especial, que se tratava de uma
infusão feita a partir de cinco ervas, entre elas a Aguasca, base da bebida ayahuasca,
também conhecida como daime.
O chá de Aguasca, embora seja sabido que altere a consciência de quem o
consome, não é mais classificado como uma droga alucinógena pelo Conselho
Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) desde 2004,
sendo atualmente conhecido como enteógeno, ou seja, utilizado apenas em
celebrações religiosas específicas.
Em outro ponto da tese, a antropóloga diz que semanas após presenciar o
consumo da infusão houve outro ritual tradicional, feito em decorrência da
morte de um indígena na aldeia. Nesta ocasião, um xamã conhecido como Eduardo
Karai Guaçú Martins disse, segundo a antropóloga, que “ouvia e via em seus
sonhos que era hora de partir de Cacique Doble”.
Assim procedeu-se o que o procurador Rodinei Candeia classifica como a
invasão de uma área em Mato Preto. “A viagem propriamente dita foi
rápida. Um mutirão entre parentes e aliados foi montado para se obter as
condições logísticas de tal deslocamento. O cacique da aldeia, Joel Pereira e
seu cunhado, Siberiano Moreira, conseguiram apoio do CIMI e AER FUNAI para o
deslocamento de Cacique Doble até Mato Preto, a cerca de 180 quilômetros de
distância, na divisa entre os municípios de Getúlio Vargas e Erebango”,
registra a tese de Flávia Cristina Mello.
Depois da ocupação, uma ação pública movida pelo Ministério Público
Federal pedia que o Estado pagasse a conta para que a área pudesse ser de uso
da Funai.
“Fiz a defesa do Estado e, quando soube desses fatos, denunciei no
processo e para a imprensa. O Estado foi condenado em primeiro grau, mas
obtivemos a suspensão da ação no TRF da 4ª Região e, em dezembro, nossa
apelação foi provida, excluindo-se o processo da lide”, contextualiza Rodinei
Candeia.
Atualmente, o processo continua suspenso e está em grau de recurso.
Foto em destaque: Divulgação / Famasul
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