Fim de era
POR MERVAL PEREIRA
18/08/2015 08:00
A mudança
qualitativa dos protestos ocorridos em todo o país no domingo não se mede em
números, mas em símbolos. O boneco inflável do ex-presidente Lula como
presidiário que surgiu em Brasília e hoje está em todos os lugares do mundo
graças à criatividade liberada pela internet, marca o fim de uma era, quebra um
mito, faz a ligação direta entre a corrupção e o chefe do grupo, responsável,
na visão popular, pelos esquemas corruptos, e por ter colocado Dilma no Palácio
do Planalto.
Dez anos depois do
mensalão, quando seu nome era impronunciável, Lula aparece aos olhos da
multidão como aquele que tem o domínio do fato. Pela terceira vez em oito
meses, multidões vão às ruas em todo o país para rejeitar o governo Dilma, o
que não deveria ser banalizado pelo governo se ele estivesse atuando dentro da
realidade.
Como Collor
na ocasião de seu impeachment, a presidente Dilma parece estar em outra
realidade. Aos olhos de Ulysses Guimarães falando sobre Collor, a reprovação
das ruas vale mais que uma eleição, pois desse plebiscito saiu o repúdio da
praça pública àquele que, embora eleito, perdeu a legitimidade.
A tese de Ulysses
foi lembrada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pediu um gesto
de grandeza como a renúncia à presidente Dilma, ou ao menos um ato de
contrição. Pois Ulysses também falou da renúncia no caso do Collor, em uma
entrevista ao Jô Soares que o Jorge Bastos Moreno resgatou em seu blog,
lembrando os casos de Getulio e Jânio Quadros.
Ulysses
chegou a afirmar que a dimensão da praça pública “é maior do que na urna”.
Collor morrera civicamente, decretou Ulysses, “morreu no respeito da nação e
não acredita que morreu. É um fantasma”. Não é mais presidente,
pontificou.
Pois os petistas
que hoje falam em golpe contra Dilma e alegam que 800 mil pessoas na rua não
revogam 54 milhões de votos, naquela ocasião em que estavam na campanha para
derrubar o então presidente Collor, não consideravam absurda a tese de Ulysses.
E o próprio Lula, em declarações gravadas que circulam na internet para reavivar
a memória dos mais esquecidos, disse que a maior lição dada pelo impeachment de
Collor era que o povo enfim aprendera que os mesmos cidadãos que elegeram um
presidente podem tirá-lo do poder.
O frágil apoio que o
senador Renan Calheiros está dando à presidente Dilma, portanto, não deveria
ser suficiente para que o governo petista se sentisse seguro, pois, como bem
salientou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no comentário que postou no
Facebook, os conchavos políticos não garantem a legitimidade do governo.
Muito mais por que
Renan, assim como Cunha, representa o que há de mais nocivo no fazer política
do PMDB, a possibilidade sempre presente de uma traição. Enquanto interesses
comuns os unem, Dilma e Renan caminharão juntos, mas, como gostam de dizer os
peemedebistas, só até a beira do túmulo, pois ninguém cai na sepultura abraçado
ao morto.
Depois das
manifestações que chegaram até à porta da família Calheiros em Maceió, o
presidente do Congresso deve estar menos à vontade na posição de garantidor do
governo do que antes. Mas se os acordos de bastidores estão dando gás à
presidente, as ruas continuam enviando suas mensagens.
Bastará um
gesto desabusado por parte de Renan, como sentar em cima da análise das contas
da presidente Dilma caso o Tribunal de Contas da União (TCU) eventualmente as
rejeite - o que agora ficou mais provável, pois a responsabilidade final está
nas mãos do presidente do Congresso - para que a indignação latente volte a se
manifestar pelo país.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário