O STF e o Código Florestal
Essa lei vai completar seis anos de aplicação
positiva e sem as catástrofes anunciadas
*Evaristo de Miranda
Começou bem o
julgamento das contestações ao Código Florestal no Supremo Tribunal Federal
(STF). O ministro relator, Luiz Fux, apresentou um voto técnico e equilibrado
sobre uma ação declaratória de constitucionalidade e quatro ações diretas de
inconstitucionalidade. Se o seu voto, em grande parte, for seguido por seus
pares, a agropecuária terá a segurança jurídica tão necessária para produzir
com sustentabilidade e competitividade.
Em tempos de
enfrentamentos entre Judiciário e Legislativo, o ministro Fux destacou a
qualidade excepcional do processo legislativo que resultou no novo Código
Florestal (tempo de tramitação, audiências públicas realizadas, votação
expressiva dos parlamentares, etc.). E enfatizou a necessidade de “deferência
ao Legislativo” pelo trabalho e seus resultados. Aplausos ao labor dos
deputados Aldo Rebelo e Paulo Piau, nem sempre reconhecido.
Diante
da temática extremamente técnica, Fux questionou se o próprio STF tinha
“capacidade institucional” para analisá-la. Ele ouviu os interessados, recebeu
colaborações dos amici curiae, trabalhou arduamente com sua assessoria e
realizou ampla audiência pública no STF. Nela representei a Embrapa e
apresentei os impactos socioeconômicos negativos de se declararem
inconstitucionais artigos do código. E entreguei um documento técnico ao
ministro Fux e ao falecido ministro Teori Zavascki, criticando o uso de
“princípios” para anular o trabalho legislativo.
Parte
da insegurança jurídica do País provém do uso, por atores sociais, de
uma principiologia situada acima das leis. Evocou-se o princípio
da precaução para impedir pesquisas científicas. E o princípio de
vedação ao retrocesso em matéria ambiental para impedir a evolução de normas.
Basta a mudança não estar de acordo com interesses e ideologias de certas
organizações e esse princípio é invocado, como algo acima até da norma
constitucional. Foi assim no ajuste de limites de unidades de conservação:
transforma-se a legislação ambiental em cláusula pétrea.
O
voto de Fux foi claro: “As políticas públicas ambientais devem conciliar-se com
outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores, como, verbi
gratia, o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades
básicas de consumo do cidadão. Desta forma, não é adequado desqualificar
determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do
meio ambiente ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de ‘retrocesso
ambiental’, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do
legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses
conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. Deveras, não se deve
desprezar que a mesma Constituição que protege o meio ambiente também exorta o
Estado brasileiro a garantir a livre-iniciativa, o desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza e da marginalização, reduzir as desigualdades sociais
regionais, proteger a propriedade, buscar o pleno emprego e defender o consumidor.
O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita, assim, o
duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo
como centro de gravidade o bem comum que é a pessoa humana, no cenário de
escassez”.
Mais ainda: “O
Princípio da Vedação ao Retrocesso não se sobrepõe ao Princípio Democrático, no
afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e
Executivo e nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o
desenvolvimento sustentável do país como um todo”.
Dos cerca de 21
dispositivos contestados, Fux declarou a constitucionalidade de 19: tratamento
diferenciado para pequena propriedade rural (artigo 3.º), novas regras na
definição de área de preservação permanente (artigo 4.º) e de uso restrito
(artigo 11), hipóteses de redução da reserva legal (artigos 12 e 13),
regularização de áreas rurais consolidadas (artigo 61-A), cumprimento da
reserva legal por compensação ou doação (artigo 66) e regime diferenciado para
reserva legal em áreas já ocupadas (artigos 67 e 68).
Aos opositores ao
cômputo da área de proteção permanente no cálculo da reserva legal (artigo 15)
disse o ministro: “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos
os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua
utilização produtiva”. E está coberto de razão. A Embrapa Territorial
demonstrou: os produtores dedicam à preservação 48% de suas terras. Qual
agricultura no mundo preserva tanto o meio ambiente? São 177 milhões de hectares
dedicados à preservação pelos agricultores, 21% do País, enquanto unidades de
conservação protegem 13%.
Já a declaração de
inconstitucionalidade dos artigos 7, 17 (recomposição de vegetação) e 59
(Programas de Regularização Ambiental) ficou confusa. Nos dois primeiros, o
voto considerou inconstitucional a data de 22/7/ 2008, por ser “arbitrária”.
Ora, essa é a data do Decreto 6.314, sobre condutas infracionais ao meio
ambiente e respectivas sanções. A mesma data foi considerada constitucional por
Fux em outros dispositivos.
No artigo 59, as
petições solicitaram a inconstitucionalidade dos parágrafos 4.º e 5.º (dispensa
de multas). A justificativa só menciona a dispensa de multas, mas o voto
considera inconstitucional todo o artigo. Se o Programa de Regularização
Ambiental não é constitucional, milhões de agricultores, em sua maioria
pequenos, que recuperam áreas e prestam serviços ambientais, estarão na
ilegalidade. Ganhos ambientais nos Estados ficam comprometidos. Será um caos
institucional para o qual a Presidência da República já deveria prever medida
provisória sanadora.
Em dois meses o
Código Florestal completa seis anos de aplicação positiva e sem as catástrofes
anunciadas por alguns. O retorno do julgamento no STF está marcado para 21
deste mês. É tempo de eliminar as dúvidas e acabar bem esse capítulo.
*Pesquisador da
Embrapa Territorial
Nenhum comentário:
Postar um comentário