A causa real do apagão
A meticulosa combinação
de imprevidência, engabelação com objetivos eleitorais, gestão incompetente e
um plano desastroso de redução de tarifas - que compôs a essência do programa
de energia elétrica do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff - não poderia
produzir outro resultado que não fosse uma crise de abastecimento, como a que
milhões de brasileiros sofreram na tarde de segunda-feira e que, pelo histórico
recente da ação do governo e pelos dados sobre a capacidade do sistema, poderá
se repetir até o fim do verão.
Os órgãos federais do setor
elétrico, às vezes de maneira confusa e contraditória, tentaram encontrar as
explicações técnicas plausíveis para o apagão que começou por volta das 14h30
de segunda-feira, afetou o fornecimento em pelo menos 10 Estados e no Distrito
Federal e causou grandes transtornos à população.
A tentativa de explicação do
ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga - de que teria havido falha numa
linha de transmissão de Furnas - foi logo desmontada pela própria estatal, que
informou não ter registrado nenhum problema em suas operações.
O Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS) - responsável pela coordenação das operações de geração e de
transmissão do Sistema Integrado Nacional - disse, em nota pouco esclarecedora,
que o problema foi causado por "restrições na transferência de
energia" das Regiões Norte e Nordeste para o Sudeste, "aliadas à
elevação da demanda no horário de pico".
Em linguagem mais simples, isso
parece significar que não havia energia para atender à demanda no horário de
pico, sobretudo no Sudeste.
Mesmo reconhecendo que
"estamos vivendo um ano de hidraulicidade adversa" - ou,
simplesmente, não chove o suficiente para assegurar um nível adequado às
represas que abastecem as usinas hidrelétricas -, o diretor da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, negou que tenha havido relação
entre a falta de chuvas e o apagão.
O problema, disse ele, foi a queda da
frequência abaixo de 60 hertz, o que levou o ONS a determinar às empresas
distribuidoras a suspensão seletiva do fornecimento aos consumidores, para
evitar a sobrecarga que levaria ao colapso do abastecimento em todo o País.
Quando se buscam os motivos da
queda da frequência, chega-se ao aumento da demanda, como reconhecem as
autoridades. Visto de outro modo, fica claro que o sistema não tem condições de
atender à demanda nos momentos de pico - que tendem a ocorrer em períodos de
calor intenso, quando aumenta o uso de aparelhos de ar-condicionado.
Era notório, há muitos meses, que
a capacidade de geração das usinas hidrelétricas vinha diminuindo rapidamente
por causa da redução do nível de seus reservatórios.
A falta de chuvas não
prejudicou apenas o abastecimento de água, mas o governo Dilma se recusou
sistematicamente a reconhecer que havia problema também no setor elétrico.
Em ano eleitoral, a candidata
afinal reeleita por pequena vantagem não poderia admitir o fracasso de seu
plano de redução de tarifas - agora desmontado com o gradual aumento da conta
de luz - nem, muito menos, que poderia haver problemas de abastecimento.
Para
sua campanha eleitoral, apagão seria palavrão.
O governo escondeu como pôde o
problema, assegurando, de maneira reiterada, que não haveria crise de
abastecimento. Não adotou, por isso, medidas que atenuariam os efeitos
negativos da seca, como a realização de campanhas para a redução do consumo,
pois entendeu que, se o fizesse, perderia votos.
Paga-se hoje o preço dessa
decisão eleitoreira.
Passageiros que tiveram de
caminhar em túneis escuros para escapar dos vagões do metrô lotados, sem luz,
nem ar condicionado, simbolizam o ônus para a população da irresponsável gestão
da crise energética - pois, queira ou não o governo, há uma crise - pela
administração federal.
E a situação pode piorar, pois as chuvas continuam insuficientes
para elevar o nível das represas até o ponto de segurança operacional. É
provável que os apagões se repitam, com maior abrangência.
O ESTADO DE S.PAULO
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