A ressurreição da reforma
agrária?
Antônio Márcio Buainain
O programa de reforma agrária estava
engavetado, morrendo lenta e indefinidamente, como ocorre com muitas
instituições e políticas públicas no Brasil. Tudo indicava que este seria o
destino da reforma agrária, cuja realização já estava fora da agenda do próprio
governo federal.
Mas o debate voltou, e animado! A ministra Katia Abreu declarou
que não existe mais latifúndio no Brasil e que as intervenções fundiárias devem
ser pontuais, com total respeito à legislação vigente que protege a propriedade
privada.
O ministro Patrus Ananias discorda ipsis litteris da colega e diz que
o latifúndio existe e predomina no agronegócio brasileiro, que é preciso
observar com mais rigor o caráter social da propriedade da terra e atualizar os
índices de produtividade, parâmetros para as desapropriações. Prometeu reativar
a reforma agrária.
Embora eu me identifique com a
visão da ministra Katia, de que intervenções fundiárias, se e quando necessárias,
devem ser pontuais e baseadas num novo modelo, o latifúndio — entendido como
uma propriedade grande — existe, só que deixou de ser improdutivo e hoje é
responsável por boa parte do crescimento do setor mais dinâmico da economia do
País.
É também evidente que continuam existindo terras improdutivas, só que
essa situação já não corresponde ao domínio de proprietários rentistas e
absenteístas que impediam o desenvolvimento do País.
Quem quiser buscar rentista deve
olhar para as aplicações no mercado financeiro, com rentabilidade garantida
pela própria política econômica, que continua favorecendo tais “investimentos”
em detrimento da construção de um ambiente de negócios apropriado para
estimular investimentos “produtivos”.
Terras “improdutivas”, hoje, são quase
sempre sinônimo de terras onde, nas condições vigentes, não dá mesmo para
produzir. É, ainda, evidente que ainda existem trabalhadores sem terras,
parceiros e arrendatários que gostariam de ser proprietários e demandam terras.
Resta saber por que essa aspiração, legítima, deve ser atendida à custa do
direito de legítimos proprietários de terras, que procuram produzir da melhor
forma possível, muitas vezes em condições adversas provocadas pela própria
política pública.
Também é certo que existem
pobreza e violência no meio rural, que milhões de famílias ainda vivem em
insegurança alimentar, que temos problemas com índios, quilombolas e outros que
só serão equacionados com políticas de desenvolvimento sustentáveis, sólidas e
consistentes, e não com discursos e puras políticas assistencialistas.
Portanto, não é a ausência de problemas que justifica a “desnecessidade” da
reforma agrária, mas sim o fato — constatado pela própria experiência
brasileira após ter assentado 1,2 milhão de famílias sem impactos positivos
significativos — de que a reforma agrária, reivindicada e concebida nas décadas
de 50 e 60, não é hoje resposta eficaz para nenhum dos problemas do meio rural
nem do Brasil.
*Antônio Márcio Buainain é
professor de Economia da Unicamp
Fonte: O Estado de S. Paulo
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