O “redentor” Lula, a jovem
Yasmin e indignação
Gonzalo Guimaraens -
Destaque Internacional (*)
1. A detenção por algumas horas do ex-presidente
Lula da Silva, a fim de ser interrogado pela Polícia Federal por suspeitas de
vinculações com uma gigantesca cadeia de corrupção, colocou no alvo um dos mais
propalados ícones da esquerda latino-americana.
2. Lula, que com a ajuda de hábeis especialistas
em marketing exerceu a presidência do País em dois mandatos, foi modelado pela
publicidade como um homem simples, honesto e humilde, proveniente de uma camada
inferior, uma espécie de “redentor” dos pobres, numa imitação da Princesa
Isabel, conhecida como “A Redentora” dos escravos.
3. Pouco depois da recente “condução coercitiva”
de Lula, um punhado de partidários dele se aglomerou no aeroporto de Congonhas,
onde ocorreu o interrogatório, bem como diante de sua residência e do Instituto
Lula — um think-tank lulista. Tais partidários
passaram a atacar a socos e pontapés os transeuntes que ousaram manifestar
alguma mínima censura ao ex-presidente.
Mas logo depois, como por arte de
telepatia, os lulistas passaram das agressões violentas à defesa de Lula, como
sendo alguém perseguido politicamente, uma inocente vítima da “oligarquia”
empresarial (o mesmo empresariado que se aliou a Lula e o sustentou no poder
durante seus dois mandatos presidenciais).
4. A impressão que se tem é de que o epíteto de
“vítima” já estava previamente preparado por Lula e por sua equipe de
marketing, à espera de sua detenção. Falando à imprensa após seu interrogatório,
o próprio Lula lamuriou bastante, reforçou junto à mídia seu papel de vítima
expiatória, revelou seu projeto político e dispôs a candidatar-se para as
eleições presidenciais de 2018.
Em seguida, manifestou singular “modéstia” ao
afirmar que foi o melhor presidente da história do Brasil e, como se esse
autoelogio fosse insuficiente, acrescentou que foi o melhor presidente do
século em nível mundial.
5. Tanto nas pesquisas de opinião quanto nas
opiniões de rua, constatam-se altos índices de rejeição ao ex-presidente Lula e
à sua “filha política”, a atual presidente Dilma Rousseff — embora as últimas
pesquisas, antes da referida detenção, tenham detectado uma ligeira diminuição
no nível de rejeição.
Ainda não se sabe se esse declínio seria circunstancial
ou se indicaria uma tendência crescente. Por outro lado, pouco ou quase nada se
fala publicamente sobre os resultados de pesquisas qualitativas realizadas
paralelamente pelas mesmas empresas de sondagens.
Tais pesquisas são muito mais
profundas, porquanto não medem apenas o sim, o não ou
o talvez dos entrevistados, mas avaliam na população a
intensidade das reações, ou a falta delas, bem como as motivações reais que
movem as pessoas a favor ou contra determinados líderes.
6. Muito poucos têm acesso a esses resultados de
pesquisas qualitativas, que certos “laboratórios sociais” guardam como
informações privilegiadas. De qualquer modo, antes da detenção de Lula havia
certo desgaste, cansaço e refluxo, começando alguns setores da população a se
acostumar com as descobertas de corrupção. Notava-se também uma consequente
diminuição da intensidade das indignações, que iam ficando restritas e até
mesmo confinadas em setores ainda mais amplos — considerando-se as dimensões
continentais do País —, mas já minoritários.
7. Os mecanismos de desgaste da intensidade de
indignação merecem estudos específicos. Recentemente, Yasmin Brunet, uma jovem
empresária do mundo da moda, foi assaltada em Ipanema, um dos pontos mais
simbólicos e considerados mais seguros da orla marítima do Rio de Janeiro.
Em
declarações reproduzidas pelo diário “O Globo”, ela descreveu em câmera lenta,
com notável percepção, os movimentos que se produziram em sua mente durante e
depois do assalto, destacando a naturalidade com que tomou o fato de ser
furtada e a incapacidade de se indignar que percebeu em si mesma:
“É
muito louco porque eu não fiquei mal. Você fica assustada na hora, você não
está esperando que alguém venha e arranque uma coisa de você, mas é muito doido
porque você morando no Rio já espera que isso aconteça, como se fosse
normal. Então você não fica chocada [...] Eu estava pensando: aonde
o mundo chegou de você aceitar que alguém roube suas coisas? Ao mesmo
tempo que o cara roubou e me machucou, eu não fiquei com raiva”.
8. Em que medida estará ocorrendo no Brasil esse
eventual desgaste em relação à corrupção? Trata-se de uma questão-chave para o
futuro desta grande nação. Com efeito, se a indignação em relação à corrupção
diminuir, poderá ficar aberta uma porta psicológica para o retorno político do
demiurgo Lula. Por isso, será de suma importância observar, sob este ponto
de vista, como se transcorrerão as manifestações marcadas para o próximo dia 13
de março.
_______
(*)
Notas de “Destaque Internacional” — uma visão “politicamente incorreta” feita a
partir da América do Sul. Documento de trabalho (Sábado, 6 de março de 2016).
Este texto, traduzido do original espanhol por Paulo Roberto Campos, pode ser
divulgado livremente.
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