O PROGRAMA DE EMERGÊNCIA DO PT, OS ANENCÉFALOS E OS MICROCÉFALOS
Ronaldo Ausone Lupinacci*
No final de
fevereiro o Partido dos Trabalhadores divulgou um “programa nacional de
emergência” sob o pretexto de estancar a crise econômico-social que, aliás, seu
próprio governo gerou. O programa contém 22 propostas, e foi precedido de um
extenso (mas falso) diagnóstico. Não havendo espaço para a crítica
pormenorizada ao documento limitar-me-ei a analisar apenas alguns poucos de
seus elementos componentes.
Importa salientar,
de início, que o PT carece de idoneidade tanto moral, como cultural para
formular qualquer proposta saneadora, seja em razão de sua doutrina, seja pelas
calamidades que a aplicação daquela doutrina neocomunista já nos causou, seja
finalmente em decorrência do mar de lama em que transformou a condução dos
negócios públicos com a expansão da corrupção a níveis inimagináveis.
Entretanto, o
Partido de Lula Jararaca possui, ainda, um considerável eleitorado (em torno de
20% do total), tem nas mãos o Poder Executivo da República, goza de simpatias
em meios acadêmicos e midiáticos e, de resto, os falsos princípios em que se
apoia são compartilhados, em graus diversos, por outros partidos políticos e
setores da sociedade alheios aos respectivos eleitorado e militância.
Tudo isso aconselha
um exame atento do mencionado programa, para refutá-lo e combatê-lo, a fim de que
o Brasil não caia no fundo do poço em que foi atirado, mesmo que o governo
Dilma Roussef venha a ter curta sobrevida, como sugerem os fatos ocorridos na
primeira semana de março.
Se, não se exige de
um texto curto a demonstração cabal das afirmações que encerra, esta
deficiência é imperdoável em documento destinado ao conhecimento e ao
convencimento de toda a opinião pública. E, aí reside a primeira fragilidade do
programa. Como soe acontecer com documentos oriundos das esquerdas, o texto do
PT não fundamenta em dados objetivos, concretos, e comprovados a maior parte de
suas alegações.
Alimenta-se da interpretação
subjetiva que seus autores deram a fatos e versões numa dança retórica de
difícil intelecção. Depois de longo palavrório disseram os economistas do PT:
“Nossa convicção é que a saída para a crise se encontra na retomada do combate
à desigualdade de renda e riqueza como princípio reitor de um segundo ciclo de
desenvolvimento com inclusão social”.
Em consequência,
sugerem a “radicalização dos mecanismos redistributivos”, ancorados em “três
pilares fundamentais: 1) a drástica redução das transferências financeiras do
Estado para grupos privados; 2) a implementação de mudanças tributárias
progressivas; 3) a adoção de um plano audacioso de investimentos públicos e
expansão dos gastos sociais”.
Como se vê, o eixo
do pensamento repousa na obsessão igualitária e no intervencionismo e dirigismo
estatais, isto é, nos mesmos erros filosóficos e programáticos que produziram a
atual catástrofe. Aliás, isso é uma constante nos governos esquerdistas:
primeiramente desorganizam a economia mediante interferências despóticas, e,
depois, alegam que é necessária maior intervenção estatal para consertá-la,
criando um círculo vicioso que leva à falência, como já se viu mundo afora.
O primeiro “pilar”
da proposta petista ataca a alta taxa de juros, mas ignora, ou finge ignorar,
que o malefício decorre do descontrole das finanças públicas que impele o
Estado a tomar empréstimos. Governado pela demagogia, o Estado socialista se
propõe a conceder favores que estão além de suas funções naturais, e, exigem
dinheiro que a arrecadação fiscal é insuficiente para prover. Logo há manifesta
contradição entre os “pilares” 1 e 3, com o que desmorona o edifício utópico.
Mais atenção será
dada ao segundo “pilar” porque a tributação no Brasil já ultrapassou de muito
os limites do legítimo, do tolerável e do suportável. E, neste ponto assume
maior vulto a preliminar da ilegitimidade do PT para propor soluções. Tendo
sido ele o promotor da crise, mesmo que, eventualmente, venha a ser necessária
uma transitória majoração de tributos, carece o partido governista de
autoridade moral para tal proposta.
A majoração da
carga tributária só seria hipoteticamente aceitável dentro de um conjunto
coerente de medidas – temporárias algumas, permanentes outras – que rumassem
para, num segundo momento, reduzir-se drasticamente a carga fiscal. E, somente
um governo idôneo deterá a autoridade moral, e gozará da confiança, ambas
indispensáveis para o saneamento da economia.
No “Manual de
Filosofia”, adaptado do “Cours de Philosophie” (Curso de Filosofia) de Charles
Lahr, se ensina que é dever do cidadão concorrer com os impostos e
contribuições para as despesas públicas, porque o Estado está encarregado de
manter a ordem externa e de proteger os direitos e liberdades de todos, mas não
dispõe de recursos financeiros senão aqueles fornecidos pelo povo.
Não sendo exigíveis
aportes financeiros de todos na mesma proporção, cada um deve pagar um serviço
na medida em que dele se aproveita. No mesmo sentido Jaime Luciano Balmes
leciona: “não é possível governar um Estado sem os meios necessários; daí a
justificativa para os impostos”.
Entretanto, o
referido filósofo ressalva duas máximas, das quais nunca podemos prescindir:
a-) “não é lícito exigir mais do que o necessário para a boa administração do
Estado” e; b-) “a distribuição das quotas deve ser feita na proporção
aconselhada pela justiça e pela equidade”, vale dizer, quem aufere maiores
benefícios paga mais (em “Ética”).
Quanto à primeira
ressalva assinala Balmes que o Poder Público não é o dono das propriedades dos
cidadãos, e não pode exigir mais do que o necessário, porque os tributos não
constituem de si mesmo dívidas, mas auxílio para bem governar. Pelo que, “se o
Poder Público exige mais do que o preciso, merece aos olhos da sã moral o mesmo
nome que se dá aos que usurpam o que lhes não pertence”.
Os leitores, com
toda a certeza sabem qual é a palavra que ele evitou utilizar, mas que não
hesito em denominar rapina, roubo ou, mais exatamente, extorsão. Com efeito,
conquanto nosso positivismo jurídico não o reconheça, o Direito Natural é
anterior e superior às leis humanas, e, por estas não pode ser nem
desconhecido, nem revogado.
Por este motivo, as
lições filosóficas de Lahr e Balmes encontram amparo nos ensinamentos
pontifícios. O Papa Pio XII declarou que os impostos não podem servir de
instrumento para o intervencionismo estatal (Discurso de 2/10/1956) e o Papa
Leão XIII afirmou que os tributos não podem se prestar a medidas de espoliação
(Encíclica Rerum Novarum). Consequentemente, a tributação extorsiva e confiscatória
padece de ilegitimidade. Acresça-se no plano prático que os impostos
desproporcionados asfixiam a atividade econômica, como estamos vendo há anos.
Em teoria se
entende que os deveres tributários devem ser conexos à geração de riqueza. Daí
se segue que são descabidos os impostos sobre o patrimônio e sobre as
transferências patrimoniais, principalmente aquele que incide sobre as heranças
e doações.
Porém, a meu ver é
justo o imposto sobre as rendas. E, deste ponto de vista o PT tem razão somente
quanto à tributação de dividendos (proposta n.º 9). Mas, não tem razão no que
diz respeito ao imposto progressivo sobre a propriedade territorial rural
(proposta n.º 12); no que respeita a extensão do IPVA para barcos e aviões
(proposta n.º 13); no que concerne ao imposto sobre grandes fortunas (proposta
n.º 14); na ampliação progressiva das faixas do imposto de renda (proposta n.º
15); no aumento do imposto sobre doações e heranças (proposta n.º 16).
Quanto à CPMF
(proposta n.º 9) penso que só poderia ser recriada mediante a supressão de
outros tributos, e, desde que estivesse assegurada a inocorrência de
consequências danosas para a economia (dentre as quais o chamado “efeito
cascata”).
Como não é possível
estender os comentários sobre os assuntos acima alinhados, nem adentrar em
outros temas relevantes que emergem da proposta do PT, concluo estas linhas
observando que o documento em foco vem recebendo uma torrente de críticas de
especialistas não só no que concerne à tributação.
Alexandre
Schwartsman reputa particularmente danosa a proposta de utilização das reservas
internacionais para financiar novos gastos, ao invés de aproveitá-las para
reduzir o endividamento (“Trivial Requentado”, Folha de S. Paulo, 02/03/2016). Antônio
Delfim Netto por sua vez registra que a valorização da taxa de câmbio para
controlar a inflação destruiu a indústria nacional. Acrescenta que a miopia
ideológica, a partir de 2012, impediu que o governo percebesse as mudanças das
condições objetivas na expansão externa transitória (de 2003 a 2011) e
adaptasse a elas a política econômica, concluindo que prosseguir em tal
política como sugere o “Programa Nacional de Emergência” resultará na
destruição final do governo de Dilma Rousseff (“Será o fim”, Folha de S. Paulo,
02/03/2016).
De qualquer forma,
por pior que seja o programa emergencial do PT, suscita ele o “debate público”
ao qual se referem os autores do documento, próprio da democracia. E, ao que me
consta, apenas outro partido político (o PMDB) havia tomado análoga iniciativa
na publicação intitulada “Uma ponte para o futuro”.
E os demais,
principalmente os ditos de “oposição”? Nada têm a dizer e a propor à
Nação nesta hora difícil? Não ouvem os clamores da opinião pública? Fogem da
polêmica? Carecem de convicções? Serão anencéfalos ou microcéfalos?
*O autor é advogado
e pecuarista.
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