Em colapso, Venezuela adota
cestas alimentares
A inflação galopante e a escassez de
produtos da cesta básica fizeram com que o presidente da Venezuela, Nicolás
Maduro, anunciasse um programa de distribuição de comida para tentar amenizar
os efeitos da crise e a queda de sua popularidade. A medida, no entanto, é
criticada por seu alto custo e pela falta de investimento na produção local.
Os produtos serão entregues de porta
em porta para os beneficiários de programas sociais, por meio dos Comitês
Locais de Abastecimento e Produção (Clap). As cestas custam de 1 mil a 3 mil
bolívares – um custo baixo diante da atual situação dos venezuelanos, que
recebem ao menos 33.636 bolívares de salário mínimo e auxílio refeição (cerca
de US$ 1,5 mil na menor taxa de câmbio oficial, mas apenas US$ 35 no câmbio
paralelo), valor insuficiente para compra de alimentos não subsidiados.
Durante os governos de Hugo Chávez e
Nicolás Maduro, começou um processo de expropriação de fábricas de alimentos e
de áreas para criação de gado e terras para cultivo. Muitos desses projetos não
deram certo porque produziam abaixo da capacidade. Como o governo lucrava muito
com o petróleo, começou a importar comida.
Com a queda do valor do barril,
Maduro decidiu congelar os preços dos produtos em plena alta da inflação, o que
levou à falência produtores locais e, consequentemente, à escassez de
alimentos. O sistema de distribuição anterior, por meio de supermercados
estatais, entrou em colapso.
Por isso, o governo decidiu implantar
esse novo programa de entrega. “O problema não está na distribuição em si, mas
na produção e, sobretudo, na falta de poder aquisitivo”, avalia o professor de
economia da Universidade Central da Venezuela, Leonardo Vera.
Comerciante aguarda clientes em
mercearia sem iluminação na cidade de Puerto Ordaz
Para o cientista político José
Vicente Carrasquero, o problema da medida também é a responsabilidade das Clap.
“Todas as redes de comercialização e distribuição de alimentos nas mãos do
governo têm dado lugar a corrupção e fraude”, afirma.
No começo do ano, funcionários da
administração da rede de supermercados estatais Bicentenário foram presas pelo
desvio de produtos subsidiados pelo governo. Em 2010, durante o governo Hugo
Chávez, descobriu-se que cerca de 150 mil toneladas de alimentos foram perdidas
por uma empresa importadora controlada pelo governo.
Atualmente, a gerência da maioria
dessas empresas foi transferida para os militares. O governo atribui os
problemas a uma “guerra econômica” orquestrada por indivíduos dentro e fora da
Venezuela para derrotar o chavismo.
Segundo Carrasquero, entretanto, o
problema deve continuar. “É um projeto
político-partidário condenado a fracassar, basicamente porque se está delegando
o processo de distribuição a organizações de bairro que cairão rapidamente em
corrupção e nepotismo”, explica.
A diretora da Fundação Bengoa para
Alimentação e Nutrição, Maritza Landaeta, também acredita que o programa deve
fracassar. “Não há como sustentá-lo, é uma fonte de corrupção, com alimentos
vencidos ou prestes a vencer, sem controle de qualidade e sem o cumprimento das
regras mínimas para o transporte”, afirma.
O economista Leonardo Vera acredita
que o governo gastará cerca de US$ 5 bilhões por ano com a importação. “Cerca
de 96% das exportações da Venezuela são petróleo. Mais do que nunca, nos
tornamos um país mono-exportador”. Atualmente, o preço do barril venezuelano
está em cerca de US$ 30, bem abaixo dos US$ 88 de dois anos atrás. Segundo
Vera, o país recebe US$ 25 bilhões por ano, mas precisa de, pelo menos, US$ 40
bilhões.
Política. Ao anunciar o
projeto de distribuição de alimentos, o governo o chamou de “Revolução
Econômica”. Para a pesquisadora do Centro de Estudos de Desenvolvimento da
Universidade Central da Venezuela, Marianella Herrera Cuenca, a revolução
necessária deve buscar o crescimento econômico e o progresso social.
“Esses elementos não são contrários,
são complementares, já que um bom desenvolvimento econômico apoiará o
desenvolvimento social que todos os venezuelanos merecemos”, ressalta.
Venezuelana espera a energia voltar
em sua casa, durante racionamento na cidade de Puerto Ordaz
Além da população, os produtores
locais também estão sendo prejudicados pela competição com produtos importados.
“A maior parte dos produtos tem preços regulados pelo governo, então, os
produtores devem vender uma cota da produção por preços irrisórios e sem
controle da distribuição”, explica Vera. O governo venezuelano também se tornou
dono, por meio de expropriação e intervenção, de mais da metade de diversos
setores ligados à produção de alimentos, como usinas de pasteurização de leite,
de processamento de farinhas, de refinarias de açúcar e afins.
Escassez. Segundo a mais
recente Pesquisa sobre Condições de Vida na Venezuela, 12,1% da população faz
duas refeições ou menos por dia – 40% desses estão no grupo dos mais pobres do
país. Além disso, carne, peixe, leite e feijão são consumidos apenas por uma
minoria. O restante se alimenta basicamente de farinhas, arroz, pão e
gorduras.
“É possível comprar frango, com preço
tabelado, após ficar cerca de 12 horas na fila do supermercado”, afirma a
coordenadora da pesquisa, Maritza Landaeta. Segundo ela, pessoas ficam o dia
inteiro em filas e passam por vários tipos de humilhação, maus-tratos e
violência. O estudo foi realizado pela Universidade Católica Andrés Bello,
Universidade Central da Venezuela, Universidade Simón Bolívar e pela Fundação
Bengoa.
O alto consumo de gorduras é uma
questão metabólica. “É uma dieta de sobrevivência. A gordura consegue compensar
a deficiência calórica e promove sensação de saciedade”, explica a pesquisadora
Marianella Herrera Cuenca, também responsável pelo levantamento. Além disso, cerca
de 81% dos cidadãos são considerados pobres e 87% dizes não ganhar o suficiente
para comprar alimentos.
A pesquisa também mostrou que o custo
de comer fora de casa, de 2014 para 2015, subiu em até 497%. Na avaliação de
Marianella, uma solução para a crise de escassez é aceitar ajuda internacional.
“Precisamos cuidar dos grupos vulneráveis, como grávidas e crianças menores de
5 anos, para protegê-los nos períodos críticos do crescimento e desenvolvimento
e evitar um dano maior às futuras gerações”, afirma.
O economista Leonardo Vera também
acredita na necessidade de receber recursos do exterior, além de aumentar a
importação de insumos, matérias-primas e o que mais for necessário para os
produtores locais. “O país precisa de uma revolução econômica, mas certamente
em outra direção.”
CLAUDIA MÜLLER - O ESTADO DE S.PAULO
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