Agricultura e aquecimento verbal
Evaristo
Eduardo de Miranda
O
consumidor conhece a novela: se chove demais ou de menos, o preço das
hortaliças, e até da carne, aumenta nos supermercados. Os ganhos desse aumento
de preços desaparecem entre o consumidor e o agricultor.
Chuva
demais ou de menos são sempre sinônimo de perda para os produtores. Não se
enfrentam variações de clima com flutuações de preços. A solução é uma
Agricultura menos sensível às variações climáticas.
O
clima foi apontado como o maior problema enfrentado pelos agricultores, acima
do preço de venda dos produtos, do custo de produção e da incidência de pragas
e doenças, na recente pesquisa do Índice de Confiança do agronegócio da Fiesp.
Enquanto
alguns querem mudar o clima e salvar o planeta em 50 anos, os agricultores desejam
salvar a sua roça anual de hortaliças, milho, feijão e outras trivialidades.
A
dificuldade da agropecuária em dar respostas adequadas às variações climáticas
presentes e futuras deve-se às incertezas das informações sobre esse fenômeno.
A imprecisão dos modelos de mudanças climáticas aumenta da escala global para a
local.
Os
21 modelos usados IPCC deixam clara a sua incapacidade de prever mudanças
climáticas em escala local.
Em
razão da incerteza na previsão do clima futuro na escala para tomar decisões
agrícolas, estudos sobre o passado são úteis.
Dados
do Instituto Nacional de Meteorologia indicam tendências de mudanças nos
padrões das chuvas e temperaturas nos últimos 50 a 100 anos no
Brasil. Eles apontam para padrões complexos, com três ou mais situações num
mesmo Estado. E para a necessidade de ampliar a rede de coleta de dados!
Para
dificultar ainda mais a decisão dos agricultores sobre que variedades ou
técnicas de plantio adotar em face das incertezas climáticas, lá onde vivem não
existe agrometeorologia de qualidade para orientá-los. Nem redes sociais e de
informação sobre o tema. Eles estão sós e desinformados.
Felizmente, a Agricultura tropical é bastante adaptada às variações de chuva e temperatura. No Brasil, de um ano para outro essas flutuações são maiores do que os cenários alardeados por porta-vozes de mudanças climáticas!
Felizmente, a Agricultura tropical é bastante adaptada às variações de chuva e temperatura. No Brasil, de um ano para outro essas flutuações são maiores do que os cenários alardeados por porta-vozes de mudanças climáticas!
Neste
verão a temperatura andou 6 a 8 graus acima da média, enquanto no
início dos anos 1990 foi exatamente o contrário. Aliás, como a chuva, a
temperatura nunca anda na linha... da média.
Variação
da temperatura entre dia e noite superior a 15 graus é comum nos trópicos.
Valor muitas vezes superior às previsões de mudanças climáticas para altas
latitudes. E a vegetação e a fauna? Vão bem, obrigado!
Nos
últimos cem anos, ecossistemas, florestas plantadas e cultivos tropicais não
desapareceram nem fizeram as malas para mudar de latitude.
Resultado
de longa evolução, eles têm grande plasticidade e capacidade de conviver com
variações de chuva e temperatura, diferentemente do que ocorre nas zonas
temperadas, onde a regularidade das estações é a regra.
Esse
grau de adaptação às flutuações climáticas interanuais, mensais e até diurnas
varia entre cultivos anuais, plurianuais ou perenes, e depende de sistemas de
produção, capacidade de investimento e uso de tecnologias.
Não
existe tecnologia que funcione sempre e em qualquer condição, salvo, talvez, a
irrigação.
Um
plantio de café com sombreamento produzirá melhor em anos secos e menos nos
chuvosos do que cafezais em pleno sol. O mesmo vale para variedades de ciclo
longo e curto, para o adensamento ou espaçamento de plantas, etc.
Uma
coisa são as incertezas climáticas, outra é o risco assumido por
Agropecuaristas ao decidirem investimentos e mudanças tecnológicas. Eles se
comportam como qualquer investidor.
Alguns,
por temperamento e condição, assumirão riscos maiores, buscarão mais
produtividade e adotarão certas tecnologias.
Os
mais conservadores, em circunstâncias análogas, adotarão outras tecnologias,
perderão em produtividade, mas reduzirão os riscos e os impactos das variações
climáticas.
Outros
ainda explorarão a redução do ataque de fungos e o ganho de qualidade em seus
produtos em anos secos, como na Fruticultura e na produção de vinhos.
Alternativas
tecnológicas existem para aumentar a sustentabilidade da produção diante das
variações climáticas.
A
ampliação da irrigação, da eletrificação, da mecanização rural, da armazenagem
nas fazendas, da Logística e do seguro rural seria um enorme avanço perante as
incertezas climáticas.
Com
isso nossa Agricultura, marcadamente de baixo carbono, ajudaria ainda mais a
"salvar o planeta" e alimentar a humanidade.
Para
especialistas internacionais presentes no Global Agribusiness Forum, em S.
Paulo, é do empreendedorismo dos agricultores, das inovações de instituições de
Pesquisa Agropecuária e do dinamismo dos países emergentes, como a China, a
Índia, a Indonésia e o Brasil, que virão as grandes soluções, graças a novas
políticas agrícolas e ambientais.
A
adaptação coordenada da Agricultura tropical diante das incertezas climáticas
está no começo. Faltam financiamentos específicos para a Pesquisa Agropecuária.
Mesmo
assim, novos saltos tecnológicos estão a caminho, graças a pesquisas
inovadoras, como as previstas no planejamento da Embrapa para o horizonte de
2033,em Melhoramento genético, mudanças climáticas e gestão territorial, por
exemplo.
O
cenário climático para a Agricultura tropical não é o pior. Mas aponta a
necessidade de se adaptar simultaneamente a Agricultura e a sociedade. É a
melhor garantia em face das incertezas climáticas e contra o nhenhenhém do aquecimento verbal.
DOUTOR EM ECOLOGIA e PESQUISADOR E
COORDENADOR DO GRUPO DE INTELIGÊNCIA TERRITORIAL ESTRATÉGICA DA EMBRAPA
OESP 24/3/2014
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