PLANTE, QUE O JOÃOZINHO GARANTE
Jacinto Flecha
A professora estava a ponto de perder a paciência, pois não
conseguia enfiar na cabeça do Joãozinho o que é porcentagem. Convidou-o para
uma conversa depois da aula, e explicou:
— Joãozinho, você não leva muito jeito para aprender o que a
gente ensina na escola. Mas você não precisa terminar o curso para arranjar um
bom emprego, basta aprender bem uma profissão. Por exemplo, chofer não precisa
de tudo o que a gente ensina aqui. Explique isso aos seus pais, e se eles
quiserem vir aqui, vou convencê-los de que você está perdendo tempo.
Alguns anos depois, a professora estava indo a pé de casa
para a escola, quando parou ao lado dela um carro luxuoso. O Joãozinho, já
homem feito, convidou:
— Entre aqui, professora. Eu levo a senhora para a escola.
Dentro do carrão, ela manifestou sua satisfação com o
progresso do ex-aluno:
— Muito bem, João! Vejo que você seguiu o meu conselho e trabalha
de chofer.
— Não é bem isso, professora, este carro é meu.
— Então você ganha muito bem. Em que você trabalha?
— Estou negociando com bananas. Eu percorro as fazendas e
compro cachos de bananas. Pago quatro reais cada um, trago para a cidade e
vendo por oito reais. Dá para viver bem, com esse lucro de quatro por cento...
Algum leitor com mentalidade socialista, dirigista,
coletivista, pode encarar o Joãozinho como um reles atravessador. Espero que
você esteja fora disso, caro leitor, caso contrário eu teria de lamentar sua
escassez de vistas. E se você quer ter banana pelo preço do produtor, nada o
impede.
Eu mesmo já pensei nisso, mas advirto-o sobre uns probleminhas.
Acontece que as bananas estão lá, e eu aqui. Ou eu as busco lá, ou o fazendeiro
as entrega aqui. No primeiro caso, terei despesas, incômodos e perda de tempo
para buscá-las.
No segundo, o fazendeiro assume riscos e despesas para
trazê-las, e me cobra um preço maior. Por que não deixar o problema para o
Joãozinho? Nem eu nem o fazendeiro perdemos, e ele ganha pelo trabalho honesto
que faz.
Mais alguns detalhes. O Joãozinho arremata toda a produção e
precisa de espaço para estocagem, o que significa investimento e despesas. Se
não consegue vender logo, a deterioração leva à perda de mercadoria, cujo
prejuízo pode ser significativo.
Agora vou contar-lhe um fato que acompanhei bem de perto. Um
agricultor notou a grande diferença entre o que recebiam os produtores de melão
e o preço que os consumidores pagavam. Resolveu cultivar melões, para vendê-los
pessoalmente.
Na ocasião da colheita, encheu três caminhões com excelentes
melões e trouxe para a Ceagesp, o grande entreposto paulistano de produtos
agrícolas. Não gostou do preço oferecido pelo primeiro comprador e procurou o
segundo, depois o terceiro. O preço era exatamente o mesmo, nada de
concorrência. Sem alternativa, entregou os melões e guardou o dinheirinho.
Resolveu então acompanhar o que acontecia com os melões no
trajeto até o consumidor. De etapa em etapa o preço ia aumentando, aumentando,
aumentando. Preço final: vinte vezes o que ele recebera (para o Joãozinho, seriam
vinte por cento...). O agricultor voltou para a fazenda e destruiu toda a
plantação com um trator. Agiu certo? Não sei, mas compreendo a revolta dele.
Qual a solução para esses abusos? Também não sei. Mas posso
adiantar que policiamento do governo não resolve; confisco da produção pelo
governo não resolve; tabelamento pelo governo não resolve; colocar o governo
como intermediário não resolve. Você já viu o governo resolver alguma coisa, sem
ficar muito mais caro? A atividade moralizadora dos “fiscais do Sarney” produziu
grande escassez de alimentos, e até hoje estamos sofrendo as consequências.
O
Presidente João Figueiredo, na época do plante,
que o João garante, fez uma visita-surpresa a uma feira, para dar um susto
nos preços. Quando ele chegou, os preços arregalaram os olhos, em seguida
inclinaram-se reverentemente, depois caíram estatelados.
Ah, como foi bonita a
queda! Bastou o presidente virar as costas para os preços se levantarem
resolutamente. Antes que Figueiredo virasse a esquina, já haviam recuperado
toda sua magna estatura.
Você ainda acha explorador o Joãozinho das bananas? Sou mais
por considerá-lo benfeitor, merecedor de uma estátua. Acho mesmo que ele seria
parte da solução, com suas módicas porcentagens de lucro. Sugiro até uma ampla
campanha movida por este bom slogan: Plante,
que o Joãozinho garante.
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