A coisa pública
Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Ao contemplar de lá de cima (ou de onde quer
que esteja, se estiver) o país que foi obrigado a deixar há 126 anos, D. Pedro
2º deve se perguntar como o Brasil conseguiu avacalhar até o fundamento básico
da República: o conceito de "res publica", a coisa pública, que, por
ser de todos, não é de ninguém. E como um país tão grande aceita se curvar à
mesquinha disputa entre Dilma Rousseff e Eduardo Cunha, ambos tentando salvar a
pele pelas lambanças que fizeram com o dinheiro público.
Ele, D. Pedro, foi impecável nesse departamento. Imperou de verdade
durante 48 anos, de 1841 a 1889, sem deixar que aumentassem sua
dotação. Era com este dinheiro que sustentava a si próprio e à sua família,
pagava os estudos no Exterior de brasileirinhos em quem acreditava (como o
músico Carlos Gomes e o pintor Pedro Américo) e financiou suas duas viagens aos
EUA, Europa e Oriente Médio, com comitivas de apenas quatro ou cinco pessoas
–para a segunda dessas viagens, teve de tomar dinheiro emprestado.
Em vez de criar impostos, cortava despesas. Seu palácio imperial, em
São Cristóvão, era o mais desmobiliado do planeta. Seus trajes oficiais, puídos
de fazer dó. Ao ser deposto pelos militares e ter de ir embora em 24 horas, D.
Pedro recusou o dinheiro que o governo da República lhe ofereceu para seu
exílio em Paris. E ainda lhes passou uma descompostura por estarem
dispondo de recursos que não lhes pertenciam, mas ao povo brasileiro.
Poucos dos sucessores republicanos de D. Pedro seguiram o seu exemplo de
austeridade. Prevaleceu a ideia de que a coisa pública é para isto mesmo –para
se meter a mão em benefício pessoal (Cunha) ou para falsificar contas,
disfarçar a incompetência e avalizar mentiras (Dilma).
D. Pedro nasceu há 190 anos na última quarta-feira. Fará 124 de morte amanhã.
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