A legislação que afaga é a
mesma que pune
Sebastião Valverde
Embora os reflorestamentos
no Brasil tenham iniciado, de fato, com os plantios de Navarro de Andrade para
abastecer de lenha o transporte ferroviário no limiar do Século XX, foi por
questões legais, a partir da década de 1960, que a silvicultura deslanchou.
É que, com os benefícios
fiscais concedidos às empresas consumidoras de madeira de floresta nativa –
notadamente pela Lei nº. 4.771/65 (finado Código Florestal) e pela Lei nº.
5.106/66 (que incentivou os reflorestamentos) –, acrescidos aos programas de
desenvolvimento das indústrias de celulose ocorridos na década de 1970, a área
reflorestada no País saltou de 500 mil para 6 milhões de hectares em 1988, ano
em que cessaram os incentivos fiscais por ordem da Lei nº. 7.714/88.
Paradoxalmente, tanto a
criação quanto o fim das leis de incentivo ao reflorestamento foram
fundamentais para a consolidação do Brasil como um player internacional e para a construção de um mercado de madeira
sob uma competição perfeita, no qual os proprietários pudessem investir num
negócio florestal de risco, mas rentável.
Em que pese à constatação
de alguns insucessos, prevaricações, má localização de projetos e, ainda,
circunstâncias tecnológicas da época, é inegável o quanto os efeitos dessas
legislações mostraram ao País como ele é forte na cadeia produtiva das
indústrias de base florestal.
Aliás, mesmo diante das
críticas de lideranças do setor ao fim da política de incentivos, é justamente
ela que mudou a forma de gerir as plantações, já que, até então, com
disponibilidade de recursos subvencionados e de longo prazo, pouco se exigia em
termos de eficiência de gestão da plantação, ao contrário do que hoje ocorre.
É de conhecimento de todos
da área florestal que as regras de incentivos também beneficiaram os
produtores, no entanto a condição daquela época em que não havia mercado
florestal estabelecido – não se tinha preço e, muito menos, perspectiva de
mercado – não permitiu, obviamente, aos produtores arriscarem em
reflorestamento, mesmo porque se convivia com inflação e juros altos,
incompatíveis com a natureza desses projetos, havendo, ainda, o receio de ser
refém de único comprador.
Dessa forma, coube às
indústrias florestais, sobretudo às de celulose e siderurgia, reflorestarem em
áreas próprias, inclusive por exigência legal de autoabastecimento,
acarretando, naturalmente, no tão combalido latifúndio de monocultivos
florestais.
Daí, àquelas empresas não
se exigia tanta competência gerencial para se ter plantações lucrativas, dado o
lucro significativo nos produtos celulose, aço, painéis, dentre outros.
Diante desse quadro, o
maior desafio da gestão florestal foi evitar a falta de madeira na fábrica.
Porém, com o fim dos incentivos, dada a crise na década de 1980, as indústrias
reduziram os plantios, ainda que na contramão do aumento da demanda por
madeira.
Nada mais óbvio que, com o
aumento anual da demanda e a estagnação na oferta – que se refletiria no longo
prazo, em virtude do estoque florestal que se formou no período dos incentivos
–, faltasse madeira e seu preço aumentasse.
Tal colapso na oferta – o
bendito “apagão florestal” –, a partir de 2004, tornou o investimento florestal
atrativo.
Daí, com os proprietários
rurais investindo em reflorestamento, liberando as indústrias do “dever” de
produzirem madeira para focar naquilo que as coloca no mercado em condições de
competir – que é industrializar –, o mercado florestal ficou tendente a ser
mais justo socialmente e mais exigente gerencialmente.
O fato é que, enquanto não
acontecia a influência negativa dos movimentos misantropos etnoambientalistas,
aquelas leis que traçaram políticas de incentivos às plantações florestais realmente
contribuíram para o progresso do setor.
Mas, a partir da
influência de organizações com interesses duvidosos, o setor caminha para uma
estagnação perigosa, sendo colocada em risco a conquista obtida nos últimos 50
anos.
Ao contrário das leis que
incentivaram os projetos florestais, as regulamentações relativas às questões
socioambientais – amparadas em causas justas, mas submissas aos delírios e
destemperos de ambientalistas e medievais (?) – têm desperdiçado o potencial
competitivo neste mundo globalizado.
Em doze anos, o Brasil,
que ostentava o status de país com o menor custo de produção de madeira, caiu
quatro posições no ranking.
Torna-se realidade a
ameaça de melhor produtor florestal por países asiáticos e, em breve, pelos
africanos, caso a silvicultura brasileira continue atravancada por uma
legislação subserviente, ineficaz e, portanto, inócua e refém de preconceitos
ideológicos.
Já não bastasse o
desnecessário licenciamento ambiental exigido das plantações florestais em
áreas de pastagens abandonadas, alguns estados-membros têm cobrado
levantamentos arqueológicos nas fazendas, fundamentados em alucinações
medievais (!?).
Teóricos, ao se depararem
com ossos de bovinos nas fazendas, criam regramentos arqueológicos no campo
como se tivessem descoberto “fósseis” de unicórneos.
Não será descobrindo o
passado e enterrando o futuro que se alcançará o almejado desenvolvimento
sustentável.
Ao contrário, as futuras
gerações olharão para trás e verão um mundo estagnado pelo medo, herdarão um
verde desprovido de qualidade de vida, já que emoldurado, estático e, portanto,
sem finalidade real de congregar todos aqueles fatores que permitem ao homem se
desenvolver de forma completa, holística.
Embora a política de
incentivos tenha terminado em 1988, o Brasil continua, praticamente 30 anos
depois, com os mesmos míseros 6 milhões de hectares reflorestados.
Inaceitável para um país
continental e florestal por natureza. Caçadores de “chifre em cabeça de cavalo”
são culpados por manter o setor florestal nesse limbo, achincalhando com as
esperanças de milhões de famílias que trabalham para o setor.
Poucos países reúnem
tantas condições favoráveis para o desenvolvimento das plantações florestais
como o Brasil.
Nem mesmo os mais próximos
concorrentes, como alguns países asiáticos e os africanos, as possuem em seu
conjunto.
Solos, água, clima,
extensão territorial, tecnologia, gestão e certa “estabilidade” democrática são
ingredientes que contribuíram para tornar o Brasil essa referência florestal.
Ocorre que, apesar de ter
sido divinamente contemplado pelas condições naturais, o País é penalizado por
tecnocratas incompetentes, abduzidos pelo “ovni” da petulância
etnoambientalista, que se colocaram a serviço de determinadas ONGs para
dificultar o crescimento do setor florestal e, com isso, desperdiçar as
oportunidades de geração de riquezas, empregos e divisas para as presentes e
futuras gerações brasileiras.
Não há modelo de gestão
que resista a tanta restrição arbitrária e questionável – ineficiente na
proteção e na melhoria de vida das pessoas.
Imaginar que o setor
florestal se desenvolva nessa “camisa de força”, que, além de todas as
consequências, perceptíveis até aos leigos, encarece o produto brasileiro, é o
mesmo que exigir que um peixe sobreviva fora d’água. Impossível!
Urge que se dê liberdade
para quem produz, primando pelo princípio da presunção da inocência, não no da
culpa. Basta de preconceito.
*Professor de Política,
Gestão e Legislação Florestal da UF-Viçosa
http://www.painelflorestal.com.br/blogs/sebastiao-valverde/a-legislacao-que-afaga-e-a-mesma-que-pune
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