Anistia
Internacional e o 'Charco no Maranhão'
Thaynã Menezes, formada em Relações Internacionais pela PUC-GO e membro do Grupo de Ativistas Voluntários da Anistia Internacional em Goiânia, escreveu para o "Diário da Manhã" o artigo abaixo... Os negritos e sublinhamentos são do Blog.
Façamos uma breve retrospectiva voltando ao ano de 2010, especificamente
no dia 30 de outubro, quando um homem foi morto. Seu nome era Flaviano Pinto
Neto, vivia numa comunidade quilombola e era reconhecido como líder da luta do
seu povo.
Luta essa, que visava à libertação do povoado das mãos de um
latifundiário que se dizia dono das terras da Comunidade do Charco, e sendo
assim, os obrigava a pagar taxas absurdas para usufruírem da terra onde vivem a (sic) quase 200 anos, fazendo com que não sobrasse sequer dinheiro suficiente para o
sustento das famílias desse povoado localizado no interior do Estado do
Maranhão na cidade de São Vicente de Ferrer.
A comunidade quilombola do Charco fica na região conhecida como
“Baixada” Maranhense, a pouco menos de 300 km da capital São Luís. Lá
vivem, hoje, em torno de 90 famílias.
A paisagem seca no mês de outubro não
reflete a realidade que dá nome ao local — “Charco” — uma referência ao
alagamento da região durante o período das chuvas.
A falta de chuvas e de
infraestrutura para uma eventual irrigação não permitem o plantio de quase nada
nesta época, mas assim mesmo, as palmeiras de babaçu enfeitam a paisagem.
Naquela terra, quando a chuva permite, plantam mandioca, arroz, milho, batata e
criam alguns animais. Também coletam coco de babaçu, porém, a maior parte da
produção não ficava com eles.
Ameaças de queimadas, espancamentos e destruição da plantação eram
alguns dos “argumentos” utilizados pelo suposto “dono” das terras, caso os
quilombolas se recusassem a pagar as taxas.
Os moradores do Charco sempre
questionaram a legalidade dessa exigência, e se colocaram a pensar: se as
famílias eram nascidas e criadas ali, como aquela terra poderia pertencer à
outra pessoa?
Flaviano era o presidente da Associação de Moradores do Charco e
exigiu então que o fazendeiro apresentasse o título de propriedade que
comprovasse que ele era o proprietário da região.
Como nenhum documento foi apresentado, os moradores da comunidade quilombola do Charco pararam de pagar o “foro” exigido pelo latifundiário.
Como nenhum documento foi apresentado, os moradores da comunidade quilombola do Charco pararam de pagar o “foro” exigido pelo latifundiário.
A partir de então as ameaças passaram a se transformar em atentados, os
quilombolas tiveram plantações destruídas, casas queimadas e um líder morto.
A
morte de Flaviano trouxe visibilidade não só para a luta da comunidade do
Charco. Esse crime se “transformou num símbolo da gravidade dos conflitos de
Terra no Maranhão e mobilizou entidades Maranhenses como a Comissão Pastoral da
Terra – CPT; a Federação dos Trabalhadores da Agricultura – FETAEMA; a Comissão
de Direitos Humanos da OAB, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e
Caritas” (Fonte: Jornal Pequeno).
A extensão dos prejuízos econômicos, sociais, e, sobretudo humanos, dos
conflitos agrários no Maranhão, representados pela morte de Flaviano, chamou
também a atenção de instituições internacionais, como a Anistia Internacional.
A Anistia Internacional (A.I.) é um
movimento global apartidário,
sem interesses econômicos e que não possui vínculos estatais e religiosos, com
mais de 3 milhões de apoiadores, localizados em 150 países, realizando ações e
campanhas para que os direitos humanos internacionalmente reconhecidos sejam
respeitados e protegidos.
A organização atua desde os anos de 1960 e no
Maranhão acompanha os problemas agrários desde 2010 com ênfase nos
desdobramentos dos conflitos como o quilombo Pontes (em Pirapemas), a
comunidade Santa Maria dos Moreiras (em Codó), e da própria comunidade do
Charco, onde Flaviano foi assassinado.
No caso do Charco a A.I. exige ao lado
dos quilombolas o fim das ameaças de remoção e a titulação definitiva das
terras onde o quilombo está estabelecido desde o século XIX.
O processo de identificação e titulação de comunidades quilombolas no
Estado do Maranhão é bastante lento. São
cerca de mil comunidades quilombolas no estado, das quais pouco mais de
400 já tiveram o certificado emitido pela Fundação Palmares.
Mas o número de
comunidades que teve o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID)
concluído não chega a dez. A comunidade do Charco é uma delas. E essa lentidão
no processo de titulação definitiva das comunidades quilombolas deixa essas
comunidades expostas a uma situação de risco de ameaças e ataques por parte de
fazendeiros locais.
De acordo com Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia
Internacional no Brasil, em uma entrevista dada a um jornal Maranhense,
diversas “Ações Urgentes” foram lançadas desde 2010 em defesa de lideranças,
defensores de direitos humanos e comunidades no Maranhão.
A “Ação Urgente” é um
chamado da Anistia Internacional para que seus membros e ativistas se mobilizem
e enviem cartas, e-mail ou fax para as autoridades chamando a atenção para uma
situação de risco imediato e pedindo a proteção – e outras medidas cabíveis –
para garantir a segurança do defensor de direitos humanos ou da comunidade em
risco.
Além das “Ações Urgentes” a A.I. promove todos os anos durante a semana
do Dia Internacional de Direitos Humanos, 10 de dezembro, uma ação chamada
Maratona das Cartas, onde são selecionados casos que vão dar visibilidade a
outros abusos similares, já que a instituição não consegue acompanhar todas as
denúncias que infelizmente são muitas.
Então os ativistas dos 150 países saem
às ruas em suas defesas: explicam para a população o que é a Anistia
Internacional, o que ela defende, expõem os casos e arrecadam assinaturas para
que cartas sejam enviadas, e violações dos direitos humanos sejam reparadas.
Nesta edição, a Anistia acompanha denúncias da Noruega, Venezuela, Estados
Unidos, Índia e Brasil (Fonte: Site da Anistia Internacional Brasil).
Porém como sabemos que nada avança sem muita luta, a Anistia
Internacional está presente para fazer a pressão necessária contra governos e
instituições.
Como disse Zilmar Mendes, sobrinha de Flaviano e atual presidente
da Associação de Moradores da Comunidade do Charco, o “governo é que nem
feijão, só vai na pressão”.
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