terça-feira, 15 de abril de 2014

Brasil e o domínio da tecnologia agrícola


Agricultura, a Coreia brasileira

Ignez Vidigal Lopes e Mauro de Rezende Lopes


Os recordes nas exportações da Agricultura brasileira fazem lembrar o desenvolvimento industrial da Coreia do Sul e, guardadas as devidas proporções, seguem uma mudança estrutural baseada em ciência, tecnologia e inovação - fatores-chave por trás do sucesso alcançado em ambos os casos. 

Nosso setor agroexportador é hoje reconhecido por sua indiscutível capacidade de competirem mercados frequentados por nações na fronteira do conhecimento e da pesquisa. Mercê de investimentos em pesquisa, a agropecuária brasileira foi bem-sucedida em montar um sistema de inovação capaz até mesmo de sustentar o crescimento do PIB brasileiro. 

O avanço tecnológico permitiu ao País voltar sua vista para a exportação de alimentos: o Brasil transformou-se em nação agroexportadora de primeira grandeza. 

Contribuíram para o desempenho da agropecuária a orientação dos produtores e investidores em direção a projetos com escala técnica e econômica, além de uma força de trabalho altamente qualificada. 

A Coreia revelou sua vocação de nação desenvolvida nesses mesmos pilares: exportações, escalas econômicas e técnicas de suas empresas e quadros profissionais de grande competência. 

O desenvolvimento da Coreia e o da Agricultura brasileira têm em comum um traço distintivo: o investimento em tecnologia de ponta, iniciado nos anos 1970 e 1980. O sucesso, em ambos os casos, deve-se a mercados internacionais ávidos por alimentos e produtos industriais de alta tecnologia. 

Do lado da demanda, os estímulos vieram da concorrência internacional, que exerceu forte pressão em favor do desenvolvimento de uma musculatura competitiva, anabolizada por ciência e tecnologia (C&T). 

Do lado da oferta, empresas privadas, em ambos os casos, responderam aos estímulos de mercado, em que a concorrência recompensa menores custos e maior tecnologia. A essência do sucesso era a resposta rápida da oferta às mudanças nas condições de competição com os países mais tecnologicamente avançados. 

Na Coreia e na Agricultura do Brasil, pesquisadores e cientistas responderam à demanda por produtos com tecnologia competitiva e inovação em nível global. Por trás de todo esse desempenho estavam recursos humanos altamente treinados na produção científica. 

A Embrapa tem hoje 2.400 pesquisadores - 2 mil com doutorado distribuídos em mais de 30 centros nacionais. Os governos, nos dois casos, contribuíram para projetos de inteligência competitiva de forma decisiva.
 
Contudo o "milagre" foi feito pelo setor privado. A Coreia e a Agricultura brasileira, quanto mais competiam nos mercados externos, mais investiam em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e em inovação. 

Com isso a fatia dos dois países aumentou nos mercados mundiais. As exportações passaram de produtos de baixa e média tecnologia para produtos de alta tecnologia: na Coreia, na tecnologia eletrônica e no Brasil, na genética de plantas e animais. O Brasil hoje é bem mais do que simplesmente um país exportador de produtos intensivos em recursos naturais. 

A Coreia montou indústrias intensivas em capital e tecnologia nos ramos da indústria de máquinas e de produtos químicos, no início, e, depois, nas indústrias de semicondutores, monitores de cristal líquido, componentes eletrônicos e equipamentos de telecomunicação. 

A agropecuária brasileira desenvolveu as tecnologias de produção de grãos, cereais, fibras e oleaginosas, além da pecuária, em condições de disputar mercados com outras nações agroexportadoras. 

Os avanços mais notáveis da pesquisa foram a tropicalização de plantas e bovinos, a transformação de solos pobres em férteis e a recuperação dos solos com calcário e fertilizantes de alta resposta na produção. Com esses solos e com tecnologia,os produtores dominaram os cultivos nos Cerrados. 

Em todos esses avanços houve a participação da Embrapa, que liderou organizações estaduais de pesquisas e fundações privadas de pesquisa Agropecuária. A empresa tem indisputável liderança institucional, de hardware e bramwarey em C&T no Brasil. Assim, foi decisiva para levar o Brasil à liderança na produção de alimentos para o próprio País e para o mundo. 

Tanto quanto a Coreia nas suas indústrias líderes, a agropecuária brasileira tem uma força de trabalho com elevado nível de capacitação tecnológica e altamente treinada em métodos sofisticados de plantio e colheita - na Agricultura de precisão, por exemplo. 

A Coreia passou por três fases: 1) nos anos 1960 e 1970 a tônica foi a promoção da tecnologia; 2) nos anos 80 e 90, a ênfase foi desenvolver a capacidade de P&D; 3) dos anos 90 até hoje foram feitos investimentos em C&T e sistemas de inovação. 

Tanto quanto na Coreia, na agropecuária brasileira o papel dos governos nos avanços da ciência, tecnologia e inovação foi decisivo. A Coreia organizou seus centros de P&D registrados na Associação Coreana de Tecnologia Industrial. 

A Embrapa, guardadas as devidas proporções, também se organizou em 47 centros de pesquisa, concentrando recursos, perseguindo sem desconti-nuidade um modelo de inovação tecnológica induzida por estímulos de mercado desde os anos 1970 até hoje. 

A Coreia tem na indústria um desenvolvimento emblemático. Seguindo os mesmos passos, o Brasil é hoje o país líder no domínio da tecnologia para a Agricultura tropical. O caminho do desenvolvimento é conhecido. Trilhá-lo requer persistência e continuidade. 

O apoio indireto do governo é importante, mas é o mercado, reagindo à concorrência, induzindo a inovação, que assegura êxito no mundo globalizado. Os demais setores da economia, a indústria em particular, têm muito que aprender com a trajetória da pesquisa na Agricultura - o único caminho para sustentação da competitividade no longo prazo. 

PESQUISADORES DO IBRE/FGV
OESP, 15 de abril de 2014

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