NOS
ESTERTORES DO ESTADO DE DIREITO
Ronaldo Ausone Lupinacci*
Carla Beatriz Borgheti Gomes e seus familiares impetraram junto ao Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná pedido de intervenção federal naquela unidade
federativa em razão de reiterada recusa das autoridades estaduais no
cumprimento de ordem judicial.
Isso porque seu imóvel rural, denominado
"Sítio Garcia", com área de apenas 58,50 hectares, havia sido
invadido, em 7 de agosto de 2006, por membros do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terras – MST, e, não obstante, desde aquela data, e, apesar da concessão
de medida liminar, bem como de sentença favorável, não haviam conseguido força
policial para promover a desocupação.
O Ministério Público Estadual opinou
favoravelmente, por estar configurada a insubordinação das autoridades
paranaenses à decisão judicial, pendente de cumprimento desde 15 de abril de
2011.
Por sua vez Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deu procedência ao
pedido de intervenção, e determinou a remessa do pleito ao Superior Tribunal de
Justiça, para que este requisitasse a intervenção à Presidente da República,
por entender estar configurada a inação injustificada do Poder Executivo
Estadual.
Tais dados contém o essencial do relatório do Ministro Gilson Dipp,
do Superior Tribunal de Justiça, inserido no texto do julgamento (pedido de intervenção
federal IF N.º 111/PR).
Em que pese a clareza dos fatos e a certeza do direito das vítimas da invasão,
a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando o voto do
ministro relator (Gilson Dipp) rejeitou o pedido de intervenção.
Reconhecendo, embora,
caracterizada a desobediência à ordem judicial, aquele Pretório afastou a
declaração da ilegalidade da conduta do Governo do Paraná por entender que: a)
não remanesceria “outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores
como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana; de
construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária
e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade
social”; b) “mesmo presente a finalidade de garantia da autoridade da decisão
judicial, a intervenção federal postulada perde a intensidade de sua razão
constitucional ao gerar ambiente de insegurança e intranquilidade em contraste
com os fins da atividade jurisdicional, que se caracteriza pela formulação de
juízos voltados à paz social e à proteção de direitos”; c) “pelo princípio da
proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem
coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a
recusa pelo Estado não é ilícita”; d) resta aos proprietários lesados a
propositura de ação de desapropriação indireta (desapossamento administrativo)
para reclamar a indenização pela perda do imóvel.
Duas palavras me vieram à mente ao ler o conjunto da decisão (relatório, voto e
ementa): sofisma e escárnio. Examinarei o assunto por partes, primeiramente os
sofismas, depois o escárnio.
Primeiro. Não se pode respeitar o ilícito, seja civil, seja penal, seja
principalmente aquele que afronta tanto a lei civil como a lei penal. Ora, a
“ocupação” consistiu em manifesto e reiterado esbulho, isto é infração civil e
criminal.
Os princípios constitucionais invocados pelo Superior Tribunal de
Justiça (abstraída, aliás, a sua preponderante falsidade doutrinária) nunca
poderiam derrubar, outro que sustenta o Estado de Direito, qual seja o do
respeito às decisões judiciais, máxime pelos órgãos públicos. Ou, ainda, os
preceitos que garantem o direito da propriedade privada produtiva, como era o
“Sítio Garcia”.
Segundo. Há um princípio geral que incide no caso: o responsável por uma guerra
não é quem a declara, mas aquele que a torna indispensável. Com as devidas
adaptações, tal princípio se impõe aos atos criminosos.
Portanto a violência, a
força, utilizada pelo Estado para fazer cumprir a lei, desde que proporcionada
(e, aqui sim se aplica o princípio da proporcionalidade), não é ilícita, e as
consequências devem ser imputadas àquele que transgrediu o direito positivo. Em
outras palavras, ainda que o emprego da força policial pudesse, eventualmente,
causar lesões aos “sem terra”, teriam estes de suportá-las porque foram eles
que criaram a situação anômala, agredindo a ordem jurídica.
Terceiro. A decisão do STJ cria um perigoso precedente para estimular invasões.
O fato consumado incitará esbulhos em série, na medida em que os invasores
ficam sabendo de antemão que a omissão contumaz das autoridades cúmplices não
gerará consequências; estas, agora tem jurisprudência favorável para não atuar
contra seus comparsas ideológicos.
Por outro lado, os proprietários tenderão a
se preparar para a autodefesa da posse porque sabem, de antemão também, que o
pleito ao Judiciário resultará ineficaz. Aonde irá parar a “paz social”? Cabe
ao Superior Tribunal de Justiça explicar-se perante a Nação diante da natureza
gravíssima de seu pronunciamento próprio a gerar “ambiente de insegurança e
intranquilidade” e não a evitá-lo. Os conflitos fundiários acarretarão
consequências em cadeia a começar pela convulsão social.
Quarto. A propriedade da família Borgheti Gomes – além de pequena - era
produtiva, insuscetível de desapropriação para a Reforma Agrária. Assim, os
Borgheti Gomes, afora terem sido privados do uso, gozo e disposição do bem já
há oito anos, agora terão de sujeitar-se ao demorado processo indenizatório, e,
quando tiverem ganho de causa, precisarão esperar por anos a fio o pagamento do
precatório (imoralidade inserida na Constituição Federal para “legalizar” o
calote do Poder Público).
Eles, e tantos outros que estejam na mesma situação,
ficam expostos à indigência. O sofrimento de quem trabalha, cumprindo a lei,
ainda vale alguma coisa no Brasil de 2014? O desprezo a interesse jurídico
legítimo não pode ser comparado a interesse antijurídico, e, pois, ilegítimo, nem
mesmo em face do “princípio da proporcionalidade”.
Remeter o cidadão inocente
às malhas de uma Justiça morosa, condicioná-lo não só a costumeira chicana
forense adotada pelos entes estatais, mas até a espera indefinida do
ressarcimento, equivale a escárnio. Neste contexto (do escárnio), o MST –
organização ilegal que assim permanece para garantir a impunidade com
anonimato de seus dirigentes¹– figurou no processo como “interessada”.
Mas, retornemos à argumentação do julgado. Um de seus pilares não é aversão à
“desigualdade social”? Afinal, os Borgheti Gomes se incluem na nova casta de
párias do socialismo brasileiro: são proprietários de terras. Estes se veem às
voltas com sistemática perseguição a pretexto de violação das leis ambientais e
trabalhistas e pela permanente ameaça de expropriação, paradoxalmente no mesmo
momento histórico em que o país desabaria na mais completa bancarrota não fosse
a contribuição do agronegócio.
Mas, para promover a igualdade – ideal
metafísico das mentes revolucionárias - é preciso aniquilar o direito de
propriedade, e se não for possível fazê-lo de imediato é preciso mutilá-lo e
desfigurá-lo aos poucos. De onde provém tal orientação?
Casualmente, enquanto meu subconsciente retinha, indignado, as particularidades
caso acima, li um depoimento esclarecedor da Prof.ª Arinda Fernandes². Começou
ela a entrevista reportando-se a livro lançado no exterior cujo título em nosso
idioma seria “Homens de Preto: como a Suprema Corte está destruindo os Estados
Unidos”.
A doutora Arinda abordou o ativismo de esquerda dentro do Poder
Judiciário, afirmando que “no Brasil já existe uma considerável rede de
profissionais do direito – especialmente da magistratura do Ministério Público
– empenhados em questões como legalização do aborto, união homossexual,
eutanásia e enfraquecimento do direito de propriedade”.
Assinalou que a “ação
desses operadores do direito está pautada por sua ideologia e consequentemente
não há por parte deles nenhum compromisso com a legalidade instituída”, pelo
que, “é bastante comum ver esses profissionais evocarem os princípios
constitucionais para fundamentar suas peças processuais” , quando “afirmam
estar cumprindo a Constituição, no momento mesmo em que a desobedecem”. Prosseguiu
a professora que se trata de “um trabalho (...) de adaptação da estratégia de
revolução cultural do ideólogo [comunista, acrescento eu] Antonio Gramsci para
poder aplicá-lo ao direito”.
Apesar da entrevista da jurista ter sido publicada
há quase dez anos, suas previsões se confirmaram no pedido de intervenção
federal em foco: “a ideia que fica para a opinião pública é a de que um invasor
tem mais direito sobre a terra do que o próprio dono”. O sofisma e o escárnio
marcam a agonia do Estado de Direito e a expansão do império da iniquidade. Quosque
tandem Catilina abutere patientia nostra?
O autor é advogado e pecuarista.
¹http://jus.com.br/artigos/11759/personalidade-juridica-do-mst-caminhos-para-sua-responsabilizacao-civil
²“Catolicismo”, edição n.º 653, maio de 2005, ano LV, p. 19.
(Reprodução permitida se citada
a fonte http://www.jornalnovafronteira.com.br/?p=MConteudo&i=11687)
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