A JARARACA ESTÁ VIVA
Péricles Capanema
O
passarinho, hipnotizado pela jararaca, representa parte da opinião pública do
Brasil
A imagem empregada me transportou
instantaneamente à infância. Nasci em cidade do interior mineiro, na época
pequena. Em menino matei muita cobra nas idas à roça. Tinha aprendido bem o
método. Logo que via a cobra, procurava no mato um galho rijo, de preferência
ainda meio verde, se possível mais de metro e meio. Desfolhava. Abaixava-me
para horizontalizar o galho e batia forte no meio da cobra, nunca na cabeça.
Uma pancada só, caso resolvido. Com a espinha quebrada, o animal não se movia.
Depois, vinha o esmagamento da cabeça.
O primeiro golpe na cabeça é coisa de ignorante. Meus amigos, os sabidos homens
do campo, gente do ramo — lembro-me, quantas saudades!, do Zé Reginaldo, preto
velho, conhecia tudo —, avisavam o menino atento: — Nunca na cabeça o primeiro
golpe; é difícil acertar e irrita a cobra. Você pode ser picado no bote de
defesa. A primeira porretada, sempre no meio da cobra.
Pensei logo, Lula não sabe matar cobra?
Inventou na hora a metáfora só para impressionar, sem se preocupar se estava
certa ou não? Sei lá. Até para matar cobra não faz sentido a receita do PT.
Mas eu queria falar era de outra coisa.
Os grandes líderes, em geral, quando comparam suas ações a animais, buscam
simbologias que evocam nobreza, coragem, beleza. Napoleão, retornando da ilha
de Elba, em linda imagem proclamava que a águia imperial voaria de campanário
em campanário até conquistar Paris. Na Religião, o mesmo. Os quatro
evangelistas são representados pelo homem, touro, leão e águia. Nosso Senhor, o
Leão de Judá, comparou-se ao cordeiro, à galinha, mandou imitar a pomba e a
serpente — nessa ocasião destacou só um aspecto, a prudência, retirando da
comparação os demais atributos (Eu vos mando como ovelhas no meio de lobos;
sede pois prudentes como as serpentes e simples como as pombas).
O escritor
sagrado, quando buscou o animal que mais retrataria a ação demoníaca na
tentação a nossos primeiros pais, escolheu a serpente. Uma jararaca. Curioso, o
PT quer intimidar recorrendo à cobra. O leão também é bicho apavorante. Ou o
falcão, ou a águia. Mas o PT percebe que seria gritantemente artificial
utilizá-los em suas comparações. Ser como a jararaca soa natural.
Na imaginação dos povos, a serpente
simboliza perversidade, agressão insidiosa, deslealdade, emboscada, sordidez. E
amedronta muito. Aliás, logo depois de Lula julgar que a jararaca, em resumo
expressivo, simbolizava bem o que pretendia transmitir, por inadvertência de
uma deputada comunista, tivemos deprimente exemplo da sordidez ao ouvir o que o
petista vociferava a uma senhora, a presidente da República, em vídeo divulgado
por Jandira Feghali: “Lula está nesse momento conversando com a
presidente da República”, relatava empolgada a parlamentar. Nem vou
transcrever o que Lula dizia desembaraçadamente à Presidente, pelo visto
julgado por ambos a coisa mais natural do mundo, ali estava autêntico, sem
maquiagem propagandística, o ambiente petista [foto da repugnante
cena].
Concordo com Lula: a jararaca está
viva. Por que preocupa? Atenção, não é só, nem principalmente, porque pica e
mata. É sobretudo pela capacidade de seduzir, trazendo, postas certas
condições, o passarinho para sua boca. O passarinho hipnotizado representa
parte da opinião do Brasil. Ninguém agora está tratando da capacidade sedutora
da jararaca; mas não foi sobretudo a intimidação da militância que nos jogou no
buraco, mas sim, a gigantesca capacidade de iludir do petismo e de seus
companheiros de viagem.
As análises destacam, o PT está
utilizando o episódio para atiçar a militância e tentar incendiar as ruas,
para, por intimidação, o primeiro dos efeitos, isto é, ver se diminui a adesão
popular ao ato oposicionista programado para o próximo domingo, 13. Nessa
direção, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (o patriota dos
dólares levados por seu assessor), nos últimos tempos em geral trabalhando mais
como bombeiro do que como incendiário, desta vez carregou delirantemente
nas tintas.
Qualificou a condução coercitiva de “tentativa de golpe da
direita, de setores da Polícia Federal, do Ministério Público e de grande parte
da mídia. Foram além do limite”. Apontou a meta: — A militância do PT tem
que reagir e dizer ‘não’ ao golpe. Deve-se ter uma agenda de combate ao golpe
iniciado pela oposição…
Em suma, a intenção da cúpula
partidária está clara: aproveitar o episódio para mandar o corneteiro tocar
“cavalaria, avançar”, “cavalaria, degolar”. Antes, nos últimos anos, o que
levou ao triunfo estava mais para o flautista de Hamelin, a saber, adormecer,
embair, afundar, criar um gigantesco poder encantatório. Agora, posta de lado a
flauta aliciante, a cúpula petista espera aferventar a militância com a corneta
do combate. Vai dar certo?
Apresenta seus riscos. O bruxedo
petista funcionou com a opinião pública meio adormecida, abobada com o
“Lulinha, paz e amor” e recursos semelhantes. Veio a era da bonança dos preços
das commodities. Agora, pobreza e desemprego aumentando, oposição
crescendo; para amedrontar anunciam com estrondo o “cavalaria avançar” e o
“cavalaria, degolar”. Será que o brasileiro médio vai se intimidar? Ou causará
efeito contrário, isto é, aumento do ânimo reativo e cristalização de posições?
Historicamente prejudicou mais a capacidade
de iludir, na qual para a militância petista intimidante — mais fumaça que fogo
— era recurso valioso, usado em especial para amolecer resistências de setores
conservadores reativos. A cantilena, era preciso ceder um pouco, não dava mais.
Todavia, os grandes instrumentos sempre
foram outros: o esquerdismo burguês, a colaboração eclesiástica, a
superficialidade otimista e descuidada dos opositores, bem como a patrulha
implacável contra tudo o que representava vigilância lúcida.
Repito aqui, a intimidação
dos movimentos sociais é coisa séria e deve ser tida em consideração. Contudo,
atenção, ela é mais fumaça que fogo. Boa parte dela é de gente paga, ódio de
aluguel. Decisivas continuam sendo as outras formas de colaboração com a
esquerda.
Fonte: Agência Boa Imprensa - ABIM
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