Trem
descarrilado
Dora Kramer
(OESP)
Duas hipóteses poderiam explicar o
comportamento de Lula da Silva na crise: ou o ex-presidente é portador daquele
traço de personalidade que ignora o mundo ao redor do próprio umbigo ou a
adversidade afetou-lhe o raciocínio.
Consideremos cenário alternativo já
que tolo ele não é, embora esperteza não seja sinônimo de inteligência, e o
narcisismo patológico dependeria de diagnóstico médico para justificar a
conduta temerária adotada nos ataques que Lula escolheu como estratégia de
defesa. Dele e do PT.
Uma combinação das duas hipóteses
como premissas de um encadeamento lógico, leva à tese bastante condizente com a
realidade: o ex-presidente prepara terreno, em ambiente de radicalização, na
expectativa de que o pior esteja por vir.
No caso, uma ordem de prisão motivada
por alguma das várias investigações que o envolvem. Bem assessorado por
criminalistas de reconhecida competência, Lula já deve ter sido alertado a
respeito de sua periclitante situação que, a cada fato revelado, torna-se ainda
mais complicada.
Não bastassem os inquéritos em curso nos ministérios públicos
de São Paulo e do Distrito Federal, os investigadores da Lava Jato apuram se o
ex-presidente obteve vantagens indevidas de empresas enquanto ocupava a
Presidência. Se confirmado, o enquadramento seria no crime de corrupção
passiva.
É nesse quadro desfavorável que o
ex-presidente foi à festa de 36 anos do PT desancar o Ministério Público,
acusando os procuradores que procuram mergulhar fundo no combate à corrupção de
“fazer o jogo” dos meios de comunicação que, segundo ele, são a verdadeira
oposição no País.
Desqualifica, assim, dois pilares de regimes democráticos: a
liberdade de imprensa e a independência do órgão defensor da sociedade. Além do
mais, afronta a tudo e a todos ao se recusar a atender a convocações para
prestar depoimentos na condição de investigado. Está dizendo com isso que está
acima das instituições e dos demais cidadãos.
Objetivamente, tal comportamento não
contribui em nada para resolver nem para amenizar os problemas que lhe mordem
os calcanhares. Resta a Lula da Silva, então, tentar transformar seus
dissabores numa “causa” a ser abraçada pelos (ditos) fracos e (supostamente)
oprimidos.
Uma cruzada contra a perseguição política. Para isso, dispõe até de
uma referência histórica: sua detenção, em 1980, pelo regime militar por 30
dias nas dependências do Dops de São Paulo em decorrência da intervenção do
Ministério do Trabalho no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo à
frente do qual Lula liderara uma greve nas montadoras da região.
Não vai demorar a invocar o episódio,
aderindo à falaciosa tese de que o Brasil de hoje é institucionalmente muito
mais inseguro e injusto que o Brasil da ditadura. O ex-presidente entrou numa
trajetória de trem descarrilado, sem freios. Busca movimentar suas tropas a
qualquer preço.
Derrubou o ministro da Fazenda Joaquim Levy para animar a
torcida numa simulação de guinada à esquerda. Conseguiu produzir um substituto
anódino que, uma vez no cargo, viu-se na impossibilidade de brigar com a
realidade e sumiu de cena.
Agora mesmo acaba de derrubar o
ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, por considerá-lo um mau zelador de
suas conveniências. O sucessor, Wellington César, não poderá - a exemplo de
Nelson Barbosa na Fazenda - fazer nada muito diferente sem provocar reação
forte de procuradores, policiais federais e juízes.
Ficará de mãos amarradas,
impedido de evitar que o circo pegue fogo.
Para Lula pouco importa. Está com
medo. Acionou o botão do “dane-se” na esperança (vã) de se distanciar dos danos
do já bastante danificado governo da criatura que inventou.
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