Brasil é campeão mundial da preservação
Por
Paulo Roque
Esta é a opinião de Evaristo de Miranda, um
dos cientistas brasileiros mais respeitados na área ambiental. Doutor no
assunto, ele fala sobre diversos aspectos, que envolvem clima, produção de
alimentos e preservação da natureza.
Evaristo de Miranda
Doutor em
Ecologia e coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE)
da Embrapa
“A dimensão tecnológica não existe na nova lei florestal.”
AGROANALYSIS — A disputa entre
ruralistas e ambientalistas acirrou ou amenizou depois da aprovação do novo
Código Florestal?
Evaristo de Miranda — Os embates são bem
mais complexos. Não são apenas dois atores, e sim uma multiplicidade. As circunstâncias
mudaram, mas o emperramento de vários processos não ajuda a ter uma perspectiva
mais construtiva. Veja, por exemplo: o novo Código Florestal foi aprovado (Lei
nº 12.651, de 25 de maio de 2012), e foram dois anos para a esfera governamental
começar a operacionalizar efetivamente o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o
Programa de Regularização Ambiental (PRA), ainda pendentes de problemas
técnicos e legislações estaduais. Sem essas normas de execução, os produtores
foram pressionados no sentido de pagar multas indevidas, que vêm sendo
inscritas na dívida ativa da União, conforme denunciado pela área agrícola.
A lei pode
amenizar as disputas evocadas em sua pergunta, mas ela precisa ser
regulamentada e aplicada com uma exegese equilibrada, e não ignorando direitos
dos produtores, como o de não possuir Reserva Legal quando o desmatamento
ocorreu em conformidade com a legislação de sua época. O artigo 68 da nova lei,
que trata desse tema, segue ignorado e tratado como se não existisse nos
manuais e cartilhas sobre CAR e PRA.
AGROANALYSIS — Por que a
legislação ambiental é pobre em
conteúdo tecnológico?
Evaristo de Miranda — A dimensão
tecnológica não existe na nova lei Florestal. A agricultura foi tratada, nos debates,
pela mídia e na legislação, como uma prática do Neolítico. Um exemplo é a
proibição de cultivar encostas, exploradas no mundo inteiro – como em arrozais
irrigados e cultivos de chá e de café na Ásia; plantios de batatas e cereais
nos Andes; viticultura e fruticultura na Europa etc. Cultivar encostas no
Brasil com tecnologias de conservação de solo e água, com cultivos perenes como
café, seringueira, eucalipto, fruteiras, pastagens etc., não causa maior
impacto ambiental.
A legislação
ambiental deveria ter proibido nas encostas a agricultura sem tecnologia e sem
boas práticas agronômicas e premiado a agricultura sustentável, com tecnologia.
Para muitos, por ignorância ou má-fé, esta última agricultura não existe. E a
lei generaliza a proibição de uso das encostas no Brasil como se fosse um
sinônimo de devastação ambiental.
A revisão
futura da lei retomará o uso da tecnologia na agricultura, dimensão a ser incentivada,
e não punida ou ignorada.
AGROANALYSIS — E a
criação indiscriminada de
unidades de conservação e terras indígenas?
Evaristo de Miranda — A criação não é
indiscriminada. Ela segue a lógica e a pressão de diversos grupos sociais. O
que não existe é planejamento estratégico desse conjunto de atribuições de
porções territoriais, destinado exclusivamente a minorias, 3nalidades ou grupos
específicos. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (em outubro de 2013),
1.098 unidades de conservação (UCs) ocupam 17% do Brasil. Para a FUNAI, as 584 terras
indígenas (TIs) ocupam aproximadamente 14% do território nacional. Quando reunimos
as duas categorias, eliminando sobreposições, elas ocupam 247 milhões de hectares
ou 29% do País. Segundo a IUCN (International Union for Conservation of Nature),
os onze países com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados existentes no
mundo (China, EUA, Rússia etc.) dedicam 9%, em média, de seus territórios às áreas
protegidas. Com quase 30%, o Brasil é o campeão mundial da preservação. No caso
das UCs, a legislação ambiental brasileira ainda de.ne, no seu entorno externo,
uma zona de amortecimento onde as atividades agrícolas são limitadas por
determinações da gestão e do manejo da UC (proibição de transgênicos, de
pulverizar com aviação agrícola etc.). A largura desta zona é variável. Em
nossas estimativas geocodificadas, seu alcance vai de 10 a 80 milhões de hectares
adicionais (1% a 9% do Brasil).
AGROANALYSIS — Além disso, há os assentamentos,
reservas extrativistas e quilombos. Qual sua dimensão e alcance?
Evaristo de Miranda — Sob responsabilidade
do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), existem 9.128
assentamentos, de diversas naturezas e estágios de implantação. Eles ocupam
88,1 milhões de hectares (10,2% do Brasil ou 14,4% do que resta quando
descontadas as UCs e TIs). Pelos dados do Incra e da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, as 268 áreas quilombolas existentes ocupam cerca
de 2,6 milhão de hectares. Uma das missões da minha equipe é analisar o
conjunto das atribuições e demandas territoriais e colocá-las no mapa. Existem
milhares de solicitações adicionais de criação e/ou ampliação de UCs, TIs,
assentamentos e áreas quilombolas. Esse desafio de governança fundiária envolve
conflitos graves, processos judiciais, impactos sociais e vastas porções territoriais,
com implicações econômicas e custos significativos. E, em geral, são áreas já
ocupadas pela agricultura e até por núcleos urbanos.
AGROANALYSIS — Quanto do Brasil já está
atribuído a todos esses grupos e minorias juntos?
Evaristo de Miranda — Os dados de
diferentes ministérios, reunidos e estudados pelo Grupo de Inteligência
Territorial Estratégica da Embrapa, indicam que mais de 290 milhões de
hectares, 34% do território nacional, estão assim atribuídos. O mapa do Brasil
com mais de 11.078 áreas legalmente atribuídas mostra um enorme desafio de gestão
territorial e fundiária. Cada uma delas pede um tipo de gestão, avaliação e
monitoramento. Além das demandas adicionais desses grupos, há, ainda, a necessidade
de compatibilizar essa realidade territorial com crescimento das cidades, da
geração de energia, da logística, dos transportes, dos sistemas de abastecimento,
armazenagem e mineração e da própria agricultura.
AGROANALYSIS — Apesar de todas as áreas
protegidas, os agricultores ainda devem preservar a Reserva Legal (RL) e as Áreas
de Preservação Permanente (APPs). Esses conceitos são exclusivos do Brasil?
Evaristo de Miranda — Sim. O país
campeão da preservação territorial exige que os agricultores assumam o ônus de
preservar porções significativas no interior de seus imóveis rurais, num
crescendo que chega a 80% da área da propriedade na Amazônia.
Se, como a
jabuticaba, RL e APP são exclusividades nacionais, é preciso distinguir
conceito e definição. Aqui, as UCs excluem a presença humana, enquanto, na
Europa, Ásia e Estados Unidos, pode haver agricultura, aldeias e diversas atividades
nos parques nacionais, sem evocar a ampla visitação turística. Não há bases
científicas suficientes na definição de “RL” ou “APP”. Na lei, a APP é justificada,
entre outras razões, para garantir a “estabilidade geológica”.
Ou seja, essas
faixas protegidas, com ou sem vegetação nativa, impediriam o movimento de placas
tectônicas, terremotos ou subducção? Se fosse assim, o Japão deveria estudar o
seu uso. A quantificação na RL e APPs é mais distante ainda de qualquer ciência.
A dimensão da APP é função da largura do curso d’água, seja arroio no pampa,
rio encachoeirado na serra do Espírito Santo, igarapé na Amazônia, corixo no
Pantanal ou riacho intermitente no sertão do Ceará. Sempre igual.
Qual a base
pedológica, geomorfológica, climatológica ou hidrológica desse critério, que
acomodou, ainda, a dimensão do imóvel?
AGROANALYSIS — Agricultura de baixo carbono
para mitigar as mudanças climáticas e salvar o Planeta é ficção ou realidade?
Evaristo de Miranda — Segundo dados do International Energy Statistics, o
Brasil é o 12º emissor e contribui com 1,4% das emissões globais de CO2.
Somente China e EUA juntos representam mais de 41% das emissões planetárias; os
doze maiores emissores mundiais representam mais de 70%. Nas emissões de CO2
por habitante, o Brasil ocupa a 79ª posição, com 2,4 toneladas per capita,
enquanto os Estados Unidos estão em 5º lugar, com 17,6 toneladas per capita.
Por unidade de PIB, o índice do Brasil é de 0,24 (90ª posição).
Os esforços de
redução das emissões brasileiras são louváveis, mas sua capacidade de mitigação
é muito pequena. O Brasil tem baixas emissões de CO2 porque 45% de sua energia
é renovável, contra uma média mundial de 18,6% e de apenas 7% nos países da
OCDE. Esse resultado deve-se à agricultura. Ela garante 31% da matriz energética
(68,3 M
de TEP) e consome apenas 4,5% na matriz (9,1 M de TEP em combustíveis fósseis). Somente
a cana-de-açúcar (etanol e bioeletricidade) garante mais energia na matriz
(18%) do que todas as hidroelétricas juntas (13%).
Diminuição do
desmatamento e uso crescente de tecnologias (plantio direto na palha,
integração lavoura-pecuária-floresta, OGMs etc.) reduzem ainda mais a emissão
de CO2 e ampliam a captura de carbono no solo. China, EUA e Europa é que
precisam mitigar. Essa é uma pauta externa, trazida à nossa agricultura, que já
é de baixo carbono. Eu gostaria muito de ver a mesma ênfase num programa de “cidadão
urbano de baixo carbono”. Vocês conhecem algum em São Paulo ?
AGROANALYSIS — As incertezas climáticas
atuais e futuras implicam adaptar a agricultura e a sociedade?
Evaristo de Miranda — Não há dúvida.
Esse grau de adaptação às flutuações climáticas interanuais, mensais e até
diurnas varia entre cultivos anuais, plurianuais ou perenes e depende dos
sistemas de produção, da capacidade de investimento e do uso de tecnologias.
Não existe
tecnologia que funcione sempre e em qualquer condição, salvo, talvez, a irrigação.
Os agricultores são como investidores frente às incertezas climáticas.
Alguns, por
temperamento e condição, assumirão riscos maiores, buscarão mais produtividade
e adotarão certas tecnologias; os mais conservadores, em circunstâncias
análogas, adotarão outras tecnologias, perderão em produtividade, mas reduzirão
os riscos e os impactos das variações climáticas. Ampliar a irrigação, a eletrificação,
a mecanização, a armazenagem nas fazendas, a logística e o seguro rural seria
um enorme avanço face às incertezas climáticas. Alguns querem mudar o clima e
salvar o Planeta em cinquenta anos. Os agricultores precisam salvar agora a sua
roça de hortaliças, milho, feijão e outras trivialidades. Desenvolvimento rural
e inovações tecnológicas são a melhor garantia contra as incertezas climáticas presentes
e futuras. Essa é a pauta climática dos produtores rurais brasileiros.
AGROANALYSIS — O monitoramento e o emprego de satélites podem
ser considerados uma realidade agropecuária brasileira?
Evaristo de Miranda — A questão crítica
é a da comunicação. Os satélites estão presentes na previsão meteorológica, nas
comunicações, no GPS, na agricultura de precisão, na gestão territorial do
agronegócio e em outras aplicações combinadas a drones e aerolevantamentos.
Essas informações e serviços não chegam à maioria dos agricultores. O setor
rural não está organizado e não se comunica nem consigo mesmo, nem com a sociedade.
Em inovação e uso de satélites, isso é ainda mais dramático. Centros de pesquisa
voltam-se para pautas acadêmicas como se fossem departamentos de uma faculdade.
Aumenta a distância entre os problemas dos agricultores e as prioridades dos
pesquisadores. O clima de conflito e patrulhamento anunciado em sua primeira
pergunta levou muito pesquisador a não se identificar com o setor rural e suas
necessidades.
O agronegócio,
apesar de toda a agregação de valor tecnológico nos últimos anos, continua com
uma posição passiva/reativa em relação à comunicação e, especialmente, em
relação à internet.
Para entrar
definitivamente na modernidade, conquistar a simpatia da população urbana e
consolidar seu espaço político, o agronegócio – entidades, empresas, lideranças
– deveria assumir posição ativa em relação aos seus processos de comunicação
com a sociedade, promovendo o monitoramento qualitativo das mídias sociais e
tradicionais na internet, bem como o mapeamento e monitoramento de
influenciadores. Essas ações são fundamentais para construir estratégias,
identificar tendências, orientar e alinhar a comunicação e a gestão de riscos.
Indicação das Áreas
de Conservação, Terras Indígenas, Assentamentos, Reservas Extrativistas e
Quilombos
1.098 unidades de conservação
584 terras indígenas
9.128 assentamentos
268 áreas quilombolas
11.078 áreas e 291.535.000 hectares
a gerenciar
34% do Brasil
Fonte: Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE)
– Embrapa
Nenhum comentário:
Postar um comentário