UMA
ENCRENCA FEDERAL
Evaristo
Eduardo de Miranda[1]
Quem ou o quê define
o uso e a ocupação das terras no Brasil?
Em 25 anos, o Governo federalizou mais
de um terço do território nacional destinando-o a unidades de conservação,
terras indígenas, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária,
áreas militares, projetos de infraestrutura etc.
A demanda de terras para
atividades privadas também prossegue: cidades, agropecuária, silvicultura, complexos
industriais, mineradores e energéticos. O país está diante de um desafio de
gestão territorial, gerador de conflitos cada vez mais agudos.
O debate da
gestão territorial estratégica é incontornável.
Sem
planejamento estratégico adequado, coordenado ou suficiente, esse conjunto de
territórios resultou essencialmente da lógica e da pressão de diversos grupos
sociais e políticos, nacionais e internacionais. Todos revestidos de suas
justificativas e legitimidades.
O espaço para atribuição de terras reduziu-se
rapidamente, apesar da dimensão do país. O estoque das terras ditas devolutas
diminuiu e destinar terras a uma finalidade ou a um grupo implica, cada vez
mais, em retirá-las de outra e de outros.
E daí, crescem os conflitos.
Segundo o
Ministério do Meio Ambiente, até
outubro de 2013, 1098 unidades de conservação ocupavam 17% do Brasil. Aqui,
na maioria dos casos, as unidades de conservação excluem a presença humana,
enquanto na Europa, Ásia e Estados Unidos pode haver agricultura, aldeias e
diversas atividades nos parques nacionais, sem evocar a ampla visitação
turística.
Nas unidades de conservação, a legislação ambiental brasileira ainda define
no seu entorno externo uma zona de amortecimento onde as atividades agrícolas (e
outras) são limitadas por determinações da gestão da unidade de
conservação (proibição de
transgênicos, de pulverizar com aviação agrícola etc.). A largura dessa zona é
variável. Estimativas avaliam o seu alcance entre 10 a 80 milhões de hectares
adicionais (1 a 9% do Brasil).
Segundo a
FUNAI, 584 terras indígenas ocupam aproximadamente 14% do território nacional. Reunidas,
essas duas categorias de áreas protegidas, eliminando-se as sobreposições,
ocupam 247 milhões de hectares ou 29% do país.
Segundo a International Union
for Conservation of Nature (IUCN),
os 11 países com mais de dois milhões de quilômetros quadrados existentes no
mundo (China, EUA, Rússia etc.) dedicam 9% em média de seus territórios às
áreas protegidas. Com quase 30%, o Brasil é o campeão mundial da preservação.
A atribuição de
terras pelo Governo Federal não acaba por aí.
Sob a responsabilidade do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) existem 9.128 assentamentos,
de diversas naturezas e estágios de implantação. Eles ocupam 88,1 milhões de hectares, ou seja, 10,2%
do Brasil ou 14,4% do que resta quando descontado o território já atribuído às áreas
protegidas.
Essa área equivale a quase o dobro da cultivada atualmente em grãos
no Brasil.
Pelos dados do
INCRA e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, as 268
áreas quilombolas decretadas ocupam cerca de 2,6 milhões de hectares.
No
conjunto, mais de 290 milhões de hectares, 34% do território nacional, estão
atribuídos por decretos. Sem considerar as áreas militares com uma superfície
total maior que a do estado de Sergipe.
O mapa do
Brasil com mais de 11.000 áreas atribuídas, essencialmente pelo Governo Federal,
permite visualizar a complexidade da situação atual (MAPA 1). Ele ilustra espacialmente
o presente desafio da gestão territorial e fundiária. Cada uma dessas unidades ou
entidades pede um tipo de gestão, avaliação e monitoramento específicos e
transparentes.
E implicam em custos e investimentos governamentais.
O Governo
Federal continuará atribuindo-se mais e mais extensões de terra que, na maioria
dos casos, sairão do controle dos Estados e municípios. Há Estados em que boa
parte de seu território já foi “federalizada” por decretos federais de
atribuição de áreas que estarão por muito tempo sob o controle de órgãos e
instituições federais.
Além das áreas
já atribuídas, existem milhares de solicitações adicionais para criar ou ampliar
unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos agrários e quilombolas.
As novas áreas reivindicadas, cada vez mais, já estão ocupadas pela agricultura,
por núcleos urbanos etc. Esse quadro complexo de ocupação e uso territorial
representa um enorme desafio de governança fundiária e envolve conflitos
graves, processos judiciais, impactos sociais e implicações econômicas
significativas.
Essas demandas
adicionais de terras por parte de grupos, minorias e movimentos sociais, todos
com sua lógica e legitimidade, precisam ser compatibilizadas com o crescimento
das cidades e suas demandas sociais e ambientais (áreas verdes, sistemas de
abastecimento de água, de tratamento de esgotos etc.), com a destinação de
locais para geração de energia, para implantação, passagem e ampliação da
logística, dos meios de transportes, dos sistemas de abastecimento, armazenagem
e mineração.
No planejamento
territorial dessas realidades agrárias e socioeconômicas é necessário considerar,
localizar e incluir geograficamente as quase 50.000 obras do PAC. E agregar, em
breve, as futuras ações do PAC 3, bem como os investimentos estaduais e
privados.
Aspectos do quadro natural também são essenciais para contextualizar
esses processos e situações territoriais, pois eles ocorrem em bacias hidrográficas
(gestão da água, hidrovias...), em biomas (biodiversidade, fragilidades...), em
contextos geológicos, pedológicos, climáticos (semiárido, trópico úmido...)
etc.
As soluções não
são simples e o melhor compromisso deve ser buscado. Os sistemas de gestão
territorial estratégicos, apoiados em geotecnologias e modelos numéricos e
cartográficos, podem ajudar na compreensão do potencial e dos limites da base
de recursos naturais e dos processos de uso e ocupação das terras.
Eles também podem
simular cenários, possíveis impactos decorrentes e reduzir conflitos existentes
ou potenciais. E deveriam ser utilizados nas tomadas de decisão nas esferas públicas
e privadas para apoiar um debate equilibrado e cordato nessa temática.
Mas esse
debate anda mais escasso que as terras.
[1]
Doutor em ecologia, coordenador do Grupo de Inteligência Territorial
Estratégica (GITE) da Embrapa.
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