segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

"Papa superman" e o seu radicalismo ambiental: numa encíclica?

Documento do Papa Francisco sobre mudanças climáticas indignará negadores e igrejas dos EUA

Pontífice espera lançá-lo na reunião da ONU em Paris, em dezembro do próximo ano, após visitar as Filipinas e Nova York

John Vidal

“The Observer”, 27 dezembro de 2014



Ele tem sido chamado de “Papa superman”, e seria difícil negar que o Papa Francisco teve um bom dezembro. 

Citado pelo presidente Barack Obama como um jogador fundamental nas relações de descongelamento entre os EUA e Cuba, o pontífice argentino prosseguiu, palestrando a seus cardeais sobre a necessidade de limpar a política do Vaticano. 

Mas poderá Francisco alcançar um feito que tem escapado aos poderes seculares e inspirar uma ação decisiva sobre as alterações climáticas?

Parece que ele terá uma chance. Em 2015, o Papa vai publicar uma longa mensagem sobre o assunto para os 1,2 bilhão de católicos do mundo, fazer um discurso na Assembléia Geral da ONU e convocar uma reunião de cúpula das principais religiões do mundo.

A razão para tal atividade frenética, diz o bispo Marcelo Sorondo, chanceler da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, é o desejo do Papa de influenciar diretamente a crucial reunião climática da ONU do próximo ano em Paris, quando os países tentarão concluir 20 anos de negociações tensas com um compromisso universal para reduzir as emissões.

“Nossos acadêmicos apoiaram a iniciativa do Papa de influenciar decisões cruciais do próximo ano”, declarou Sorondo à agência católica de desenvolvimento Cafod, em uma reunião em Londres. 

“A ideia é convocar uma reunião com os líderes das principais religiões para tornar todas as pessoas cientes do estado do nosso clima e a tragédia da exclusão social.”

Após visitar em março Tacloban, cidade filipina devastada em 2012 pelo tufão Haiyan, o Papa vai publicar uma rara encíclica sobre as mudanças climáticas e a ecologia humana. 

Exortando todos os católicos a tomarem medidas por razões morais e científicas, o documento será enviado aos 5.000 bispos e 400 mil sacerdotes católicos de todo o mundo, que irão distribuí-lo aos paroquianos.

De acordo com informantes do Vaticano, Francisco vai se encontrar com outros líderes religiosos e lobistas políticos em setembro, na Assembléia Geral em Nova York, quando os países subscreverão novas metas de combate à pobreza e ambientais.

Nos últimos meses, o Papa defendeu um novo sistema financeiro e econômico radical para evitar a desigualdade humana e a devastação ecológica. Em outubro, ele disse em uma reunião de camponeses sem terra da América Latina e da Ásia, e de outros movimentos sociais

“Um sistema econômico centrado no deus do dinheiro precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente.

“O sistema continua inalterado, uma vez que o que domina são as dinâmicas de uma economia e de uma finança carentes de ética. Não é mais o homem que manda, mas o dinheiro. Quem manda é o dinheiro efetivo.

“A monopolização das terras, o desmatamento, a apropriação da água, agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da terra em que nasceu. As alterações climáticas, a perda de biodiversidade e o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos que assistimos”, disse ele.

Em Lima, no mês passado, os bispos de todos os continentes expressaram sua frustração pelas negociações estagnadas sobre o clima e, pela primeira vez, pediram aos países ricos para agir.

Sorondo, um companheiro argentino conhecido por ser próximo do Papa Francisco, disse: “Assim como a humanidade enfrentou uma mudança revolucionária no século XIX, no tempo da industrialização, hoje nós mudamos muito o ambiente natural. 

Se as tendências atuais continuarem, o século vai testemunhar uma mudança climática sem precedentes e a destruição do ecossistema, com trágicas consequências.”

Neil Thorns, chefe de advocacia da Cafod, disse: “A expectativa em torno da próxima encíclica do Papa Francisco é sem precedentes. Vimos milhares de nossos apoiadores se comprometerem a convencer seus deputados que a mudança climática está afetando as comunidades mais pobres.”

No entanto, o radicalismo ambiental de Francisco é susceptível de atrair a resistência dos conservadores do Vaticano e dos círculos de direita da Igreja, particularmente nos EUA, onde os céticos católicos do clima também incluem John Boehner, líder republicano da Câmara dos Deputados, e Rick Santorum,  ex-candidato presidencial republicano.

O cardeal George Pell, ex-arcebispo de Sydney, que foi posto no comando do orçamento do Vaticano, é um cético da mudança climática que tem sido criticado por afirmar que o aquecimento global cessou, e que se o dióxido de carbono na atmosfera fosse duplicado, “as plantas iriam adorar”

Dan Misleh, diretor da Convenção do clima católico, disse: "Haverá sempre 5-10% das pessoas que vão se ofender (sic). Elas são muito ruidosas e têm influência política. Esta encíclica vai ameaçar algumas pessoas e trazer alegria a outras. Os argumentos são em torno de economia e ciência, em vez de moralidade.

“Uma encíclica papal é rara. Está entre os mais altos níveis da autoridade de um Papa. Terá 50 a 60 páginas; é uma grande coisa. Mas há um contingente de católicos aqui que dizem que ele não deve se envolver em questões políticas, que ele está fora de sua competência.”

Francisco também terá a oposição do poderoso movimento evangélico dos EUA, disse Calvin Beisner, porta-voz da conservadora Cornwall Alliance for the Stewardship of Creation [Aliança Cornwall de Administração da Criação], que declarou ser o movimento ambientalista dos Estados Unidos “não-bíblico” e uma falsa religião.


“O Papa deve recuar”, disse ele. “A Igreja Católica está correta sobre os princípios éticos, mas foi enganada no tocante à ciência. Resulta que as políticas que o Vaticano está promovendo são incorretas. Nossa posição reflete as opiniões de milhões de cristãos evangélicos nos EUA.”


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