Melgarejo de terninho
Péricles Capanema
Mariano Melgarejo tomou o poder por
golpe de Estado e presidiu a Bolívia de 1964 a 1871. Morreu assassinado em Lima
naquele ano. Na série para esquecer dos caudilhos latino-americanos, ninguém
foi tão primário. Por suas atitudes disparatadas, uma atrás da outra, virou o
símbolo do que o caudilhismo poderia produzir de mais danoso e desmoralizante.
Corta. Tente imaginar a origem das
palavras a seguir(quem sabe já saiba, aí perde a graça): “Até agora, até agora,
a energia hidroelétrica é a mais barata. Em termos do que ela dura, da sua
manutenção e também pelo fato da água ser gratuita. I da genti podê istocá. Cê,
o vento podia sê isso também, mas ocê num conseguiu ainda tecnologia pra istocá
vento. Então se a contribuição dos outros países, vamos supô que seja,
desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica istocá, ter uma forma
docê istocá, porque o vento ele é diferente em horas do dia, então vamos supô
que vente mais à noite, cumé queu faria pra istocá isso. Hoje nós usamos as
linhas de transmissão, cê joga de lá pra cá, de lá pra lá, pra podê capturá
isso, mais si tivé uma tecnologia desenvolvida nessa área, todos nós nos
beneficiaremos, o mundo inteiro”.
Trecho de peça humorística, em que
algum cientista maluco explica sua última alucinação? Errou redondo. Capiau
pavoneando erudição? Neca. Bebum potocando em bar? Wrong again.
Pode desistir, se não sabe, não acerta.
Tirando o véu, faz parte da entrevista
coletiva concedida pela presidente Dilma em Nova Iorque no último 27 de
setembro. O resto não está lá muito distante disso. Ela, pelo visto, achou que
estava dando o grande e desinibida fez a apologia da estocagem do vento,
tecnologia salvadora que estaria por vir. Imagine o espanto divertido dos
jornalistas. Não é a primeira vez, nem será a última em que a presidente, sem o
cajado protetor do texto escrito por outros, deixará constrangidos os
brasileiros. Quando é improviso ou resposta não ensaiada a perguntas, aparece
logo a saraivada dos disparates, ditos em português de lógica e gramática estropeadas,
que divertem os rieurs e envergonham o país.
Quanto às opiniões, Dilma, ─
invencivelmente primária, penoso e inevitável constatá-lo ─ na galeria dos
presidentes latino-americanos vai passar como o exemplo mais característico do
que a região em dois séculos apresentou de pior. Nada houve na América Latina
que chegasse perto das bobagens que dispara a todo momento. Óbvio ululante, no
âmbito das opiniões, Dilma Rousseff é o Melgarejo de terninho.
Hilário? Mais bem trágico, sintoma
estridente do buraco no qual despenhou o Brasil, aspecto do aviltamento imposto
pelo lulopetismo, no qual sobrelevam as granizadas sem fim de gente primária na
direção do país, boa parte composta ladravazes contumazes. A consequência não é
só a desmoralização da vida pública; o povo paga pelo desemprego crescente,
carestia em aumento e pobreza cada vez mais ampla.
Nunca antes na história deste país foi
assim. Deixo imerso nas brumas da História os mais de sessenta anos de governo
de dom Pedro II, respeitabilidade severa. Lembro outros. José Sarney teve noção
viva da liturgia do cargo, FHC, intelectual conhecido, cercou-se de pessoal
competente. Juscelino, boa cultura, estuante de vitalidade, despertava sonhos.
Epitácio Pessoa, jurista de ar fino, parecia estar saindo de um baile de gala.
Todos eles com correção representaram os interesses do Brasil. Quando falavam,
e não era pelos cotovelos, diziam coisa com coisa, pelo menos. Agora? Sobrou a
chacota divertida e o desprezo de fora. Pior, muitos de nós passamos a achar normal
a convivência com o disparate.
Quem tem cabeça baralhada é porque,
míope, vê confusamente a realidade; são olhos incapazes da amplidão e da
agudeza. Daí necessariamente brotam juízos mirrados e atrapalhados. Cortando
caminho, mesmo com as lições da tempestade em que meteu a administração, o
governo Dilma tem alguma chance de dar certo? Nenhuma, é a resposta óbvia.
Concluindo, ou a direção política do país acha urgente solução eficaz, benéfica
para o povo, ou, impossível escapar, o futuro à frente terá mais agitação
social e mais sofrimento, em particular dos menos assistidos. Deus tenha pena
de nós.
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